terça-feira, 12 de dezembro de 2006

O POETA E O AVIADOR DA RUA DA LARANJEIRA

Arquivo/Laélio

Justa homenagem

HOMENAGEM DA FUNDAÇÃO “CÍCERA QUEIROZ” AO POETA OTHONIEL MENEZES DE MELO E AO SEU IRMÃO, O SARGENTO-PILOTO JOÃO MENEZES DE MELO. APOSIÇÃO DE PLACAS E FOTOGRAFIAS NA CASA ONDE AMBOS NASCERAM.

(As palavras abaixo, da autoria de LAÉLIO FERREIRA DE MELO, filho do Poeta e sobrinho do Aviador, foram proferidas na solenidade, transcorrida no dia 10 de março de 2004, aniversário (109) do grande intelectual norte-rio-grandense.)

Meus Senhores, Autoridades, etc......

Aqui, neste chão, filhos do jovem Capitão republicano e da moça alta de olhos claros, nasceram, na última década do Século Dezenove, quatro Poetas e uma menina de olhos agateados – de nome Stela – que, muito cedo, partiu para o azul. Os varões, todos eles, anos depois, meninotes, passaram pelo Colégio Diocesano Santo Antônio, internos, aqui ao lado, no vetusto outão da Igreja do Galo e pelo respeitável Atheneu Norte-rio-grandense.

Viveram alguns anos no sertão. Perderam a mãe muito cedo, em Jardim do Seridó. Minha avó Maria Clementina era bonita, alta. “Usava um roupão encarnado e tocava violão” – lembrava Othoniel, num poema. Suicidou-se, coitada, aos 28 anos! Os órfãos foram todos, daí em diante, criados com muito carinho pela segunda esposa do Capitão, Dona Celsa Bezerra Fernandes de Melo. João e Celsa geraram Waldemar, Gisélia, Miralva, Irama, Alda e Alba – a única, hoje,viva e ainda bonita, aqui presente, no alto dos seus setenta e tantos anos !

Todos eles, os “meninos” de Maria Clementina, fizeram versos:

FRANCISCO – o primogênito Francisquinho – Bacharel em Direito de Olinda e Recife, magistrado íntegro e culto, jornalista, professor, chefe de família exemplar, POETA!

OTHONIEL - Tony, meu Pai - sou o seu benjamim, o caçula dos sete filhos – Othoniel, o eterno chorão da “Praieira”, jornalista, professor, ensaísta, escritor, folclorista, acima de tudo, POETA !

JOÃO – o Joãosinho - aviador pioneiro e mártir, o valente soldado de infantaria que combateu os jagunços de Floro Bartolomeu, no Ceará do “Padim Ciço” do Joazeiro, piloto audacioso, namorador, piadista irreverente, curumiaçu do lote de Cascudinho, POETA !Finalmente,

GABRIEL – Gaby - militar, Sargento e depois Oficial de Cavalaria, um gênio em Matemática e Física, meio avoado, valente como os seiscentos, jornalista e POETA !

Os Poetas são chamados de “vates”. Do latim “vatis”: adivinho, profeta, vidente, mestre – o que adverte !

Othoniel, numa sextilha despretenciosa , e não publicada, muito anos antes de partir para o seu auto-exílio no Rio de Janeiro, já profetizava que não deixaria os ossos no Alecrim. Era a advertência e a premonição do Vate !

Natal lhe fora ingrata e cruel como fora com Ferreira Itajubá – por quem tinha profunda admiração e sobre quem escrevera um belo e erudito ensaio, reclamando quanto ao descaso em que morrera o poeta de “Branca”, sem amparo, à míngua, esmolando favores aos poderosos da época. Até a ossada – com o “crânio rude e enorme” – a extraviaram, perderam, depositada que estava na Igreja do Bom Jesus das Dores, na velha Ribeira de guerra, onde nasci.

Othoniel, no início da década de 60, doente , sem diagnóstico, perseguido pelos caciques de então, dolorosamente arrumou os pouquíssimos teréns e escapuliu para o Rio de Janeiro. Amava muito o seu torrão . Entretanto, muitos dos seus conterrâneos da chamada elite política e intelectual de então, barões assinalados, nunca lhe haviam perdoado a franqueza com que tratava certos figurões e a circunstância de haver escrito, nas oficinas da velha “República”, “de cabo a rabo”, o jornal oficial do Levante de 1935.

Nunca foi comunista – como foi taxado e depois condenado a 3 anos de cadeia. Era, todos sabiam, socialista e amigo de Café Filho. Culto, pobre e probo, tinha consciência do próprio valor e disso se orgulhava – isso sim ! Não suportava idiotices e bajulações, grupinhos, patotas.

Nunca tomou posse nas Academias. Aceitou a imortalidade por imposição de velhos e poucos amigos, notadamente do seu quase-irmão Esmeraldo Siqueira. Resolveu, de vez, ir embora. Ia cumprir seu próprio vaticínio, seu destino ! MAKTUB !

Amparou-se no braço amigo e sofrido da sua Maria e foi embora ! Chorando, mas foi ! E, lá, morreu, no Rio de Janeiro, no Catumbi, no apartamento modesto, saudoso da sua Natal e da companheira dileta, minha mãe - que o antecedera na partida para o Céu !

Partiu, certamente, relembrando a sextilha magistral, sobre Natal:

És linda. Iara morena,

Pulando, da água serena

Do Potengí, a cantar,

Nua, à sombra dos coqueiros,

Perfumada de cajueiros,

- os seios furando o mar !

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Por sua vez, João Menezes de Melo era, até hoje, um ilustríssimo desconhecido na própria terra. Não fosse Luiz G.M.Bezerra, não seria nome de rua em Natal, quase oitenta anos depois do seu sacrifício! Em 1977, nos jornais e num livro, Luís da Câmara Cascudo, seu companheiro de juventude, “curumiaçu do seu lote” – leia-se “rapaz da mesma turma, da mesma idade, do mesmo tope, da mesma laia “ - fez breve relato da sua também breve existência.

Morreu aos 24 anos ! Nunca casou, não deixou filhos. Gabou-lhe, Cascudinho, o “espírito esfuziante, comunicativo, original”. Era um gozador, o meu tio ! Graças a Oswaldo Lamartine e a Cláudio Galvão – este, meu velho amigo de bancos escolares, pesquisador da obra de Othoniel, organizador dos livros póstumos do Poeta, seu biógrafo – graças aos dois, tenho, no meu arquivo, uma fotografia de Joãosinho – o Sargento Menezes, atleta e remador rubro-negro - publicada na revista “Careta”, em 1919, posando de calção de banho, fraque e cartola, no calçadão do praia do Flamengo ! Fazia, gostosamente, irreverentemente, crítica às autoridades do então Distrito Federal – que queriam coibir o uso de maiôs e calções mais ousados...!

Um Capitão francês picareta, Etienne Lafay, da Missão Militar Francesa, no Campo dos Afonsos – que anos depois seria, por pouco tempo, colega de Mermoz e Exupéry na Latecoere – causou-lhe a morte.

Em 29 de setembro de 1920, manhã cedo, voando num caça Nieuport, João Menezes, notando falha no motor, pousou para comunicar o fato e pedir outro aparelho para a complementação das manobras. O Instrutor , que não gostava do Sargento (era o melhor piloto da turma, o primeiro brevetado), além de não atender à requisição , negou o pedido de maneira sarcástica.

Menezes entendeu a negativa como uma ofensa ao seu brio – ao dele, cabra-macho que já enfrentara fuzilaria de jagunço, bala de rifle, lazarina de rolimã, corpo-a-corpo de faca-peixeira no Ceará ! Não ouviu os colegas e amigos! Teimoso, subiu, fez o “parafuso” e dele não saiu!

Antes de o avião se espatifar nas cercanias da Estação de Marechal Hermes, livrou-se dos cintos e saltou livre, só, para a morte ! Na época, não existiam paraquedas, pousos de emergência, os recursos tecnológicos de hoje. O Nieuport tinha rodas de bicicleta e a maioria deles era sucata de pós-guerra, impingida pela França ao Exército Brasileiro !Tombou perto da rua Gravatá, num campo de futebol.

Menino, eu, na companhia de Othoniel, ainda vi, em Marechal Hermes, uma espécie de marco no local da queda, chantado pelos companheiros de vôo - alguns deles, mais tarde, generais e marechais-do-ar ! Não existe mais, hoje !

Menezes é o sexto mártir da aviação militar brasileira, nome de hangares e ruas em vários estabelecimentos militares, Brasil afora. No Rio Grande do Norte, antes mesmo do livro de Câmara Cascudo, seus companheiros aviadores da Força Aérea Brasileira, gente de fora – como se dizia à época – deram-lhe o nome a uma rua em Parnamirim, durante a Segunda Guerra Mundial.

Quase oitenta anos depois do seu sacrifício é que a Prefeitura de Natal – – sob pressão de Luiz GM Bezerra – tardiamente cuidou de denominar, nos cafundós-do-judas, uma artéria, do outro lado do Potengí, com o seu glorioso nome !

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Meu caro Vereador Leôncio Queiroz: tendo eu – pode parecer! – derramado queixas até agora, chega a hora da alegria, se alevanta mais alta, em bom-som, a clarinada sonora de agradecimento, no momento de externar, em nome de toda a família, a profunda gratidão.

Nosso respeito, nosso “muito obrigado”, nossa admiração! Por haver, Vossa Excelência, acolhido o meu reclamo quando alertado para a derrubada do imóvel. Fazia-a, até então, desconhecendo o valor histórico e sentimental deste sítio, deste chão ! Dá, agora, nesta noite, Vossa Excelência, creia, um belo exemplo aos chamados “órgãos de incentivo à cultura potiguar”! Um doloroso cascudo na cabeça de muita gente grande...!

Resgata Vossa Excelência, fique também certo, a história da nossa Cidade, da nossa terra, da nossa arte, da nossa coragem ! Ao Poeta e Jornalista Paulo Augusto, seu irmão, também o nosso aplauso pela eficiência, pelos textos impecáveis das placas hoje aqui afixadas, pela sensibilidade ! Aos funcionários, alunos e colaboradores desta instituição, a nossa amizade e estímulo.

A Fundação “Cícera Queiroz”, hoje, agora, de braços abertos, casa nova, cheiro de tinta, chão lavado, presenças formosas, fisionomia de amigos , parentes e admiradores, simpaticamente acolhe Othoniel e João Menezes. E quem abriga e abraça um Poeta e um Herói, abraça , inteira, à toda Humanidade !

Obrigado a todos.

Vamos cantar a “Praieira” – que ninguém é de ferro !