sexta-feira, 8 de dezembro de 2006










DEÍFILO GURGEL, O SANGUE DE BOI E O
ALUÁ DAS ÍNDIAS...


(Foto Arquivo)


Laélio Ferreira, ex-repórter, poeta.

Deífilo Gurgel nasceu praieiro de mar e de rio, na ilha de Areia Branca, paraíso de dunas e ventos, terra de sal e de versejadores. Menino, andou se alumbrando com o adusto chão avoengo de Caraúbas e lá, no alto sertão da Potiguarânia, conheceu as casas do “Quadro”, deve ter visto as “pinturas” das “Pedras dos Índios” e dado muito cangapé na água límpida do “Olho D’Água do Milho”.
Em Natal, jovem, apareceu poeta. E dos bons. Na capital, foi estudante, bancário, advogado, professor - tudo com muita competência, zelo e, acima de tudo, exemplar modéstia, coisa do seu temperamento, da sua formação, do seu jeito de ser. Por muito amor, casou com moça bonita, teve filhos - e continuou poeta.
“Réu confesso”, aos quarenta e quatro anos de idade, arrumou, de estalo, “sarna pra se coçar”: uma intensa e extensa paixão temporã pelo folclore. Essa “senhora”, airosa balzaquiana, nunca antes o havia tentado. Passava, apenas - para ele, Deífilo - ao longe, sem maior brilho ou atrativo, dengosa, mestrando pastoras, namorando gajeiros, dando umbigada nos batuques, desfilando nos palanques de Djalma Maranhão. Cascudo e Veríssimo de Melo, entre bem poucos, viviam para cima e para baixo cortejando-a, gastando energia, tempo, papel, tinta, sono e selo postal...
Paixão chega, arrebata, e paixão se transforma em amor, vira mania. Lá se foi o poeta correr atrás. Caiu no mundão de Deus. E como correu, minha gente, e como palmilhou estradas longas o nosso hoje consagrado folclorista – o renomado autor do “Espaço e Tempo do Folclore Potiguar”, agora em sua segunda edição.
Sabemos, muitos, das queixas e das dificuldades que Deífilo Gurgel, com lucidez e com bem-querer, sem nenhum ressentimento, aponta para o exercício dessa sua paixão na esfera dos nossos espaços ditos culturais.
No livro, a necessidade de valorização e preservação do folclore como dever do poder público, é quase dogma de fé. Fé pessoal construída no dia-a-dia da sua busca, fé alimentada em cada nova descoberta de suas muitas andanças pelo chão potiguar.
Tem razão, de sobra, o praieiro das areias brancas, o alumbrado menino da terra das caraúbas. Mestre Câmara Cascudo descobriu, na sua longa jornada, que “o Folclore e a Etnografia têm seus mártires”.
Façamos por onde Deífilo não chegue a tanto no seu sagrado e fiel sacerdócio de amor pelo folclore. Não vá, ele – pretendamos todos -, beber sangue quente de boi como Seabrook, no Haiti. Tampouco sofra, futuramente, o que sofreu o aperreado padre Colbacchini, no Mato Grosso, tomando um porre de aluá mastigado pelas velhas da tribo dos Orarimigodogues.

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