quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

RODOVIÁRIA FILOSOFIA...


PÁRA-CHOQUE DE CAMINHÃO
01 - Se ferradura desse sorte, burro não puxava carroça.
02 - Deus pôde fazer o mundo em 6 dias porque não tinha ninguém perguntando quando ia ficar pronto.
03 - Mais virgindades já se perderam pela curiosidade do que pelo amor.
04 - Mulher de amigo meu pra mim é que nem violino... viro a cara e meto a vara.
05 - Cada ovo comido é um pinto perdido.
06 - Se andar fosse bom, o carteiro seria imortal.
07 - Mulher feia é igual a ventania, só quebra galho.
08 - Os últimos serão os primeiros e os do meio, sempre serão os do meio.
09 - Filho é igual peido: você só agüenta o seu.
10 - Mulher é que nem lençol: Da cama para tanque, do tanque para a cama.
11 - Quem dá aos pobres, tem que pagar o Motel!
12 - Se barba fosse respeito, bode não tinha chifre.
13 - Se tamanho fosse documento o elefante era dono do circo.
14 - A mulher foi feita da costela...imagine se fosse do filé.
15 - Coloque a bandeira nacional na cara dela e faça pela pátria!!
16 - Adoro as rosas, mas prefiro as trepadeiras...
17 - Se chiar resolvesse, Sal de Frutas não morria afogado.
18 - Todos os cogumelos são comestíveis. Alguns só uma vez.
19 - Quem tem olho gordo, usa colírio diet.
20 - Macho que é macho não engole sapo, come perereca!
21 - Existem três tipos de pessoas: as que sabem contar e as que não sabem.
22 - Aonde vamos parar? Até Papai-Noel anda saindo com veados.
23 - Não faça na vida pública aquilo que você faz na privada.
24 - Nasci careca, pelado e sem dente. O que vier e lucro!
25 - Seja legal com seus filhos. Eles que vão escolher seu asilo.
26 - Rouba dos ricos e dá aos pobres. Além de ladrão é gay."
27 - A pior das sextas-feiras ainda é melhor do que a melhor das segundas-feiras.
28 - Não há melhor momento do que hoje para deixar para amanha o que você não vai fazer nunca.
29 - Eu sempre me importei com a beleza interior da mulher. Uma vez dentro...beleza!
30 - Sexo grátis, amor a combinar.
31 - Se o amor é cego o negocio é apalpar.
32 - Se sua mulher pedir mais liberdade, compre uma corda mais comprida...

CANGULEIRO E PRESIDENTE

JOÃO CAFÉ FILHO


- BREVE ROTEIRO CRONOLÓGICO
LAÉLIO FERREIRA


1) João Fernandes Campos CAFÉ FILHO nasceu em Natal, na antiga rua do Triunfo, hoje Quinze de Novembro, na Ribeira, em 1899, no dia 3 de fevereiro;














2) O pai, João Fernandes Café, era funcionário público modesto, herdeiro empobrecido. Seus avós, do Ceará-Mirim, tinham sido donos de engenhos e terras;














3) Teve infância “canguleira” nas campinas da Ribeira da Natal de então, pequena e bucólica. Estudou na primeira escola evangélica do Estado (o pai era batista), depois foi para o Atheneu;





4) Freqüentando às sessões dos júris na Capital, entusiasmou-se pela advocacia. Foi para o Recife, trabalhar no comércio para se manter e estudar Direito. Com dificuldades financeiras, voltou a Natal sem o canudo de Bacharel, apenas com um diploma de eletrotécnico;
5) Por concurso público, recebeu, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, a provisão de Advogado (rábula). Orador brilhante, estrategista lúcido, cheio de astúcias, conhecedor da legislação, fez-se defensor das camadas mais humildes da população (estivadores, trabalhadores rurais, pescadores, gente pobre, carente), granjeando largo prestígio e acumulando o ressentimento das classes mais abastadas da República Velha, no Estado;6) Fez-se Jornalista e político de oposição combativo, fundando jornais, defendendo os interesses dos sindicatos, recém criados no RN. Foi duas vezes candidato a Vereador, sem êxito, na década de 20;7) Organizador de passeatas e manifestações, foi preso diversas vezes, a residência cercada pela Polícia, chegando a cumprir pena de detenção, inclusive. Até 1930 - quando caiu a República Velha –, sempre perseguido, várias vezes ausentou-se do RN, trabalhando como Jornalista em Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro, na Paraíba;
8) Já conhecido nacionalmente, na Revolução de 1930, vindo do Estado vizinho, comandou a primeira coluna dos revoltosos a entrar em Natal, ordeiramente. Seu maior desafeto político, o Governador Juvenal Lamartine, derrotado, exilou-se na Europa;9) Participante ativo de todos os episódios políticos e administrativos do seu Estado e do País, o admirável tribuno elege-se Deputado Federal Constituinte em 1934,deixando a Câmara pouco antes do golpe do Estado Novo, em 1937. 10) Retorna deputado à Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Mais tarde, em 1950, elege-se Vice-Presidente da República; 11) Antes de chegar à Vice-Presidência, político hábil que era, lembrado para governar o Estado, preferiu apoiar a candidatura de Dix-Sept-Rosado Maia. Iria, fatalmente, voar mais alto;12) Assumindo a Chefia da Nação no dia fatídico(24 de agosto de 1954), trágico e comovente da morte de Vargas, governou um ano e dois meses atropelado por conspirações e ameaças de golpe vindas das casernas e da pena brilhante, ferina e iconoclasta de Carlos Frederico Werneck de Lacerda, que, anos depois, num gesto nobre, amparou o potiguar ilustre, nomeando-o Ministro do Tribunal de Contas do Estado da Guanabara;13) Não terminou o mandato. Vítima de um dos cinco enfartes que teve durante a
existência atribulada, afastou-se da presidência em onze de novembro de 1955, substituindo-o o Presidente da Câmara, Deputado Carlos Luz;
14) Restabelecido, tentou reassumir o governo mas o seu impedimento,urdido nos bastidores da oposição, foi aprovado pelo Congresso Nacional(em 22 de novembro e em dezembro confirmado pelo Supremo Tribunal Federal);

15) Vice-Presidente, Café Filho assumiu o Governo em condições dramáticas e surpreendentes. Confessaria, depois, não se encontrar politicamente preparado, porque não tinha base parlamentar suficiente para as árduas e complexas responsabilidades. Surgiram as críticas;
16) Aqui, na nossa terra, durante e depois do seu curto período de governo, os próprios “cafeístas". correligionários fiéis das primeiras horas nas lutas dos sindicatos e no jornalismo de oposição -, muitos deles presos e humilhados nas cadeias do Estado Novo, taxados de subversivos na chamada "Intentona Comunista de 35", quase todos, afirmam muitos estudiosos, se decepcionaram com o Presidente conterrâneo. Restou um misto de alegria e decepção – dúvidas, críticas, controvérsias, até os nossos dias; 17) Contando a própria vida, nas memórias que deixou à posteridade("Do Sindicato ao Catete"), de certa forma justificando-se pelos erros cometidos, Café Filho transcendeu o terreno pessoal para se entrelaçar com a própria história do Estado e do País, nos seus momentos mais graves -tarefa que exigiu, além da imperiosa base de verdade, muita vivência, habilidade, inteligência e muita humildade, sobretudo; 18) Homem probo e pobre, homem raro que recebendo, inesperadamente, no último ato da tragédia de Getúlio Vargas, a alta investidura na Presidência da Nação, não deixou, que as grandezas do cargo lhe subissem à cabeça. Morreu no Rio de Janeiro, aos 71 anos, em 20 de fevereiro de 1970.

O LEVANTE DE 35 - III




O Velho e o novo (sob a aleluia da redenção nacional)

Juliano Siqueira

Juliano Homem de Siqueira, 56 anos, natural de Natal, filho do médico, professor e escritor Esmeraldo Homem de Siqueira e de Íris Meira Lima de Siqueira, fez as primeiras letras no Instituto Brasil. Depois, o Ginásio e o Clássico no Atheneu. Em 1968, ingressou na Faculdade de Direito, em Natal. Por força da ditadura, entrou na vida política clandestina, como militante comunista e na linha da luta armada. Foi preso político no início da década de 70. em 1974, retorna a Natal, onde em 1977, gradua-se em Direito e posteriormente em Sociologia e Política. É mestre em Direito e Teoria do Estado e professor do Curso de Direito da UFRN. Em 1966, ficou com o 1° lugar em concurso estadual de poesia. Foi vereador. Em Natal, entre 1996 e 2000. Publicou o Livro de Ensaios “Nas Barricadas do Fim do Século” e tem, inéditos, livros de poesia e prosa. Hoje, dedica-se a pesquisar a obra dos poetas e escritores esquecidos, como a Abner de Brito, João Lins Caldas e Esmeraldo Siqueira, entre outros.


Temos sido acusados, geralmente por pessoas que gostam de aderir ao falatório dominante, por imbecilidade ou por interesses patrimoniais e políticos, de ter "um discurso ultrapassado". Os primeiros são uns pobres diabos: perderam o rumo e rodam a bolsinha miserável para o todo-poderoso capital, sonhando com as migalhas do banquete. Os outros estão na sua. Acumularam, sabe-se lá como, e defendem ferozmente suas regalias.

Na verdade, há muita coisa ultrapassada nessa podre (e pobre) imitação chinfrim do Reino da Dinamarca. Muitos Polônios; nenhum príncipe Hamlet. A lista é mesmo vergonhosa (ver Diário de Natal, 15/11/95). São dez milhões de desempregados, ou seja, dezesseis por cento da população economicamente ativa em potencial; trinta e dois milhões abaixo da linha de miséria absoluta; sete milhões de crianças submctidas a trabalho escravo;cinqüenta e sete por cento de evasão escolar; centenas de áreas de conflito pela posse c uso da terra; mortalidade infantil nas nuvens, com o Rio Grande do Norte na frente, apresentando como índice do genocídio doméstico oitenta mortos no primeiro ano de vida para cada mil nascidos; violência urbana, na qual o povo é vítima do fogo cruzado 4e quadrilhas oficiais e marginais, numa guerra sem nome. Estão brincando com fogo... E com o povo. Diplomatas do tráfico de influência e ministros apadrinhando banqueiros e grandes negociatas. Assim se afunda o planalto.

Somente um louco teria prazer em denunciar esses dados. Sujeitos sem escrúpulos e ingênuos de todo o mundo, silêncio, por favor. Respeitem a indignação, a revolta, a tristeza de quem carrega uma grande dor no peito. Como homem e cidadão, tenho, ao longo de minha vida, procurado o novo, um mundo solidário e justo. Não me alegram as estatísticas da morte. Prefiro vida, trabalho e pão. A coletividade em festa, não na degradação. Queria ser otimista e escrever coisas suaves, bonitas, delicadas. Mas quem sabe das coisas, se não é um cretino, como pode fazê-Io? Quem não sabe de nada, que se cale.

Não faço os meus discursos, apenas falo e escrevo. Os autores, de fato, são as elites minoritárias, parasitas e plutocráticas. No entanto, é certo que não danço de acordo com a música. Resisto à uniformidade massificadora do tom, do ritmo, do som dos cartéis da mídia. E, umas vezes incompreendido, outras isolado, confesso que vou bem. Mesmo não sendo, como tentou provocar uma escriba municipal, o "coerente dos coerentes". E mais simples: bajulação? Estou fora. Fácil de entender, não? Para muitos, nem tanto.

Por iss0 o meu orgulho de filho de Natal. Sessenta anos são passados e não saímos dos desafios postos pela Insurreição Nacional-Libertadora de 1935. De lá até os nossos dias, quantas transformações - econômicas, políticas, éticas, tecnológicas... No Brasil e no mundo. Contudo, não parece muito distante, no tempo e no espaço, um movimento que tenha como consignas Pão, Terra e Liberdade.

Já sabemos que ninguém morreu dormindo, que donzelas continuaram como tal, que a população gostou e, dez anos depois, em 1945, fez majoritário, a depender do voto natalense, o candidato presidencial comunista.

Os fatos de 35 e a ANL (Aliança Nacional Libertadora) saem das páginas policiais, da marginalidade da história e, como gesta antifascista, ingressam, após longo e difícil vestibular, na universidade, na academia, como objetos de estudo e pesquisa. A "Intentona" transformada em matéria-prima da ciência. Na política, feita a subtração das circunstâncias, é lição acumulada, tradição revolucionária e.inspiração à continuidade da luta pela sociedade livre dos explorados - o socialismo.

Quando, sentindo vergonha pela nação, vemos através de imagens vivas Diolinda, a dos Sem-Terra, sendo algemada, num país de tantos crimes impunes, de criminosos premiados e gangsterscheios de mordomias e poder, temos a certeza de que aquela prisão é bem o símbolo de um povo em grilhões, da pátria amada amordaçada. Em conseqüência, somos todos aliancistas.
E, voltando no tempo, em novembro de 1935, coloco-me às ordens do Governo Popular Revolucionário, sob "a aleluia da redenção nacional", distribuindo a poesia panfletária do jornal A liberdadepelas ruas de Natal.


II - William Waack na mira da história

A edição de 28/11/93 da Tribuna do Norte, em matéria assinada por Carlos Peixoto e Nilo Santos, 'Camaradas rebatem duras críticas do livro de W. Waack', na intenção de abordar a Insurreição de 1935, envereda pelo caminho da apologia mais simplória de uma extensa reportagem (que virou livro), eivada de confusões e propositais distorções dos fatos históricos, da autoria de William Waack (WW).

Louvável a inserção do depoimento do veterano comunista mossoroense Francisco Guilherme. Lamentável a forma como foi explorada a primeira, exclusiva, longa e rica entrevista de Giocondo Dias, com autoridade de quem foi o comandante militar das operações que resultaram na formação do Governo Popular Revolucionário em 35.

Fica-se com a impressão, pelas contradições entre as declarações tio Cabo Dias (em Os objetivos dos comunistas)e certas afirmações feitas no curso do texto, que este não foi sequer lido. Por que, então, citá-Io? O início, a evolução e a derrota do movimento, confrontando-se o dito na matéria com as palavras do falecido dirigente comunista, não guardam qualquer ponto de convergência. Isso não é simples, nem aceitável de pronto. E muito estranho. Tão incompreensível quanto o silêncio (ao contrário do que ocorre com o de WW) que cerca o livro de João Falcão {G. Dias: vida de um revolucionário), lançado em outubro do corrente, e, ainda assim, já na segunda edição, com detalhado capítulo acerca dos acontecimentos de 35 em Natal. .
Cabe assinalar que através de dezenas de livros, entrevistas, estudos, pesquisas, artigos, o movimento revolucionário de 1935 vem sendo inventariado, nos últimos cinqüenta anos. E os autores, de diversas tendências político-ideológicas e nacionalidades várias, já abordaram de modo mais honesto, sem esgotar, rigorosamente, as questões que, ao inverso do afirmado ("não se sabia e as dúvidas agora esclarecidas, a partir dos detalhes secretos que faltavam sobre a revolução brasileira de 1935 (?), até o momento guardados nos arquivos de Moscou"), já eram de pleno conhecimento – exceção feita ao que é creditado ao "realismo fantástico" de WW.
"Muitas surpresas." E quantas... Vamos ao concreto.

1. O Partido Comunista do Brasil (PCB), esses o nome e sigla corretos, em 35 - "brasileiro" é coisa do início dos anos 60 -, após o XXCongresso do PCUS e seus reflexos no Movimento Comunista Internacional, era uma Seção da lU Internacional - Comunista (IC), dirigida pelo Comitê Executivo Internacional (Comintern), até sua dissolução, em 1943, e conseqüente substituição pelo Cominform (Comitê de Informações).

A sede da IC, lógica e naturalmente, ficava em Moscou. A URSS era, então, o único país socialista do mundo. Na Internacional participavam os partidos comunistas que existiam no planeta, e o seu Comitê Executivo era integrado por dirigentes de diferentes nações (Dimítrov, Mao, Ho, Tito, Thorez, Togliatti, Doi ores Ibarruri, Prestes etc.). É falso, portanto, dizer que o partido brasileiro "era controlado por Moscou". Se não há intenção de inverdade, ocorre, no mínimo, grave amadorismo, descuido, relativamente ao objeto em foco, cuja importância, que não merece, nos marcos deste esclarecimento, maiores sustentações, pois desnecessárias, exige abordagem segura, tratamento fundado no estudo - em suma, o conhecimento, sem o qual é impossível penetrar científica e conscientemente a história. Salvo, como diria Marx, com o fim predeterminado de violentá-la.

2. Não é verdade que a Aliança Nacional Libertadora (ANL) "não foi criada pelos comunistas". Foi. Basta a leitura das obras e memórias de destacados historiadores e personalidades da cena política dos anos 30 e posteriores, num arco que vai de L1cerda a Prestes, passando PQr Giocondo Dias, Dinarco Reis, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto, Agildo Barata, Gregório Bezerra, Stanley Hiltop, José Joffily, Robert Levine, Ronald Chilcote, Paulo Cavalcanti,]. W. Foster Dullcs, Pedra Pomar, João Amazonas, Edgar Carone, Nelson Werneck Sodré, Jacob Gorender, Hélio Silva, Graciliano Ramos, entre outros. Rodolfo Ghioldi, máximo dirigente comunista argentino e membro da direção da IC, muito além, pelo visto, de "homem do Comintern na Argentina", tem absoluta razão quando afirma que a ANL "tinha sido fundada por iniciativa dos comunistas". Sobre esse item, bastante elucidativa seria uma passada, rápida que fosse, no famoso Informe de G. DimÍtrov, na abertura do VII Congresso da IC. A bibliografia está espalhada, nas bibliotecas e livrarias, aguardando consulta (ou compra).

3. É ausente de fundamentação ampla e sólida, não passa de meia verdade, dizer que o partido comunista "não tinha naquele, nem conseguiu reunir depois em nenhum momento, penetração popular...", ou que apenas nos quartéis os comunistas "tinham alguma penetração". Não é preciso ir muito longe. Um dado é suficiente:9 desempenho dos comunistas nas eleições de 1945/47. Alguns exemplos soltos: duzentos mil filiados; quinze constituintes (terceira bancada); seiscentos mil votos (dez por cento do eleitorado) para Yeddo Fiúza - desconhecido candidato do partido à Presidência da República; Senador mais votado do Brasil (Prestes),eleito pelo Distrito Federal; maior bancada na Câmara Municipal carioca; deienas de parlamentares estaduais; eleição de prefeitos. Destaque-se,como julgamento de 35, pelo voto popular, a vitória de Yeddo Fiúza em Natal.

A linha ascendente da performance eleitoral e do crescimento dos efeitos dos comunistas forçou o imperialismo a exigir dos serviçais internos a cassação do registro do Partido.

4. "O livro mostra um Luís Carlos Prestes oportunista, caudilhista e incompetente em termos políticos e militares". Divergências postas de lado, é uma leviandade adjetivar desse modo uma das maiores figuras da fase republicana da história do Brasil. Prestes com certeza tinha defeitos e cometeu erros; contudo, sem dúvida, desde a Coluna, traçou uma vida de "lutas e autocríticas". Morreu com dignidade e sem abdicar de suas convicções. Suas condições materiais de existência são prova bastante da falácia fóbica do "ouro de Moscou". Não fosse a ajuda, fruto da amizade fraternal e desinteressada, da amizade forjada na mútua admiração, de Oscar Niemeyer, não teria sequer onde morar. Esse é meu testemunho - o de quem acompanhou essa relação de perto.

Mesmo assim, pouco antes de sua morte, rejeitou pensões oficiais, em solidariedade a trabalhadores grevistas, e mandou às favas promoções e soldos militares que considerava não reparadores efetivos das injustiças de que fora vítima.

Não sou prestista. Nunca fui. Sou marxista-leninista. Trabalhamos juntos, no período 1979/82. A partir de 83, razões de ordem política, sem que abandonássemos o campo da revolução ("sempre à esquerda"), levaram-nos a posições divergentes. Mas, precisamente por isso, não posso silenciar frente à calúnia. Respeitem a memória de Prestes.

5. Por fim, devo, seguindo o exemplo do Dr. Sobral Pinto - católico, humanista e corajoso -, fazer a defesa de quem tão desleixadamente é mencionado como o "alemão Arthur Ewert". Saibam que esse"alemão" foi deputado do parlamento incendiado pelo terror nazista e um dos poucos parlamentares comunistas sobrev.iventes(6 num total de 112) à farsa do "Incêndio do Reichstag" - desmascarada por Dimítrov, no Processo de Leipzig; contribuiu na Revolução Chinesa, tinha a cabeça posta a prêmio pela Gestapo; veio para o Brasil como voluntário internacionalista, revolucionário e comunista. Preso e torturado, juntamente com sua esposa Elise, enlouqueceu. Nada falou aos inquisidores. Mas não suportou a intensidade das violências sofridas, nem assistir à companheira ser seviciada pelos torturadores de elite da polícia especial do fascista Filinto Müller. Na defesa de Arthur Ewert, ou Herry Berger, dr. Sobral Pinto invocou a Lei de Proteção aos Animais.

Elise Ewert e Olga Benário morreram no forno de gás de um campo de concentração nazista. Portanto, não são "tópicos" de renhuma polêmica séria o local e a data do assassinato de 0lga Benário. Exceto na cabeça doentia e provocadora de WW. Harry Berger morreu na ex-RDA, hoje anexada e esmagada pela ofensiva anticomunista do capital monopolista germânico.

III. 1935 – A falsificação da história pelo sr. Waack

WIadimir Ilitch Lênin, debruçando-se sobre os elementos informadores da primeira tentativa revoiucionária russa, sob direção e perspectiva bolchevique, o "ensaio geral d,e 1905", afirma que "a verdade ~ sempre revolucionária".É, numa expressão simples, direta e concisa, a continuidade coerente da abordagem histórica sistematizada por Marx e Engels.

Na contramão da ciência, o livro Camaradas,de William Waack (WW), com indisfarçáveis insumos da "historiografia" de inspiração nazista, promove o culto das informações secretas e inacessíveis, levanta aleivosias ("a mentira repetida torna-se verdade"), parte de uma logística de apoio e alinhamento com Inarcas de suspeição (é o eleito do czar leltisine, da grande imprensa do sugestivo marrom, o porta-voz do "estadão"), articula um grandioso aparato da mídia, divulgação e adesões. E o extrato da mistificação pela propaganda.

1935 é uma insurreição insultada. Maldita e amaldiçoada pelas elites brasileiras. Contudo, por mais de meio século, muito se trabalhou e produziu para que se promovesse o primado da verdade. A bibliografia existente nos limites do nosso conhecimento pessoal é uma prova eloqüente desse esforço. A reportagem de WW tem endereço. Nestes tempos de apostasia, conforme R. Corbusier, vale tudo, desde que o objetivo de denegrir o comunismo e 'os comunistas venha à tona. O relato histórico das características socioeconômicas e políticas que contextualizem as ações individuais e coletivas da luta antifascista, de uma época de feição obscurantista e traços sombrios, cede ao delírio fóbico do anticomunismo.

"Os comunistas aparecem como grotescos, cínicos, intrigantes, burros, desconfiados, trapalhões, apressados, ingênuos, descuidados, irresponsáveis, uma adjetivação excessiva, comparada com os fatos revelados, tão expressivos em si mesmos." Esta é a consideração insuspeita do social-democrata Oaniel Aarão Reis.

Quais são os alvos de WW? Além do Movimento Comunista Internacional, é claro, os personagens principais da insurreição: Prestes, Olga Benário, Arthur Ewert (Harry Berger), Rodolfo Ghioldi.

Da figura de Prestes, buscando sintetizar o caráter da Internacional Comunista (IC) e dos seus dirigentes, diz que "se tornará o dono do mais caro bilhete de en~rada para a URSS" e, conseqüentemente, para o Comintern. E de conhecimento público o nível das divergências políticas e ideológicas entre João Amazonas e Luís Carlbs Prestes. No entanto, frente às calúnias de WVI/,numa atitude de grandeza ética e humana, de honestidade política e revolucionária, o presidente doPCdoB declara: "quem pode acreditar nesta balela? Nem Prestes era pessoa desse gênero, nem a Internacional adotava semelhante procedimento" .

Arthur Ewert, ou. Harry Berger, surge como um desprezível dinamiteiro, "sempre a reclamar dinheiro". WW não deve, nem um pouco, partilhar da indignação que, por exemplo, moveu o católico Sobral Pinto, chocado com as torturas que levaram seu cliente à loucura e, posteriormente, pelas seqüelas, à morte prematura, a usar como base da defesa jurídica de Berger a Lei de Proteção aos Animais. Acrescente-se que esse internacionalista alemão foi também forçado a presenciar as cenas de sevícia de sua companheira Elise (deportada para a Alemanha nazista, aos cuidados da Gestapo, juntamente com Olga Benário, onde foram companheiras de tragédia do.campo de concentração e da morte na câmara de gás). Fica uma dúvida, em forma de interrogação: WW almeja a infâmia de carrasco póstumo de Berger?

"Olga era uma agente do serviço secreto militar soviético." Essa denúncia, reducionista e simplória, seria indicador justificativo do martírio da heroína? Então, é isso? A fogueira, pois, com tudo o que se escreveu e com todos os documentos levantados acerca dessa "mulher de coragem", como nos diz Ruth Werner. Olga, que dedicou sua vida por inteiro à causa da revolução socialista, vítima dos algozes dos povos do Brasil e da Alemanha, pela distorção de WW,resta como espiã e mercenária. Sob todos os aspectos, inadmissível - uma cretinice sem medida.

"Prestes enviou João Amazonas a Moscou,em 1949, com a denúncia de que Ghioldi não se comportara como revolucionário ao ser preso no Brasil". De acordo com seu depoimento, a informação é inteiramente falsa. Amazonas viajou pela primeira vez à União Soviética em junho de 1953, três meses depois da morte de Stálin. E nunca foi portador de denúncia contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicação, quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositório clandestino, matreiramente aberto a investigadores facciosos?

Aos preconceituosos e estreitos, se não bastam as afirmações de Amazonas, recomendamos a leitura de Graciliano Ramos, em particular das ,passagens de A1emóriasdo cárcere com referências explícitas a Ghioldi. Ou será que Mestre Graça, por ser comunista confesso, entrou em descrédito, também caiu em desgraça?

WW é um fascinado pelo ouro, mesmo o de Moscou. Coisa compreensível, sinal dos tempos. Muito mais grave, porém, que a doença geral do consumismo. Afinal, nos dias que passam, como nos têm chegado as elites dessa infeliz república das empreiteiras? A podridão exposta nas denúncias crescentes de corrupção - mais um privilégio das classes dominantes – não surgem ao acaso. Sua origem está localizada no próprio processo de exploração capitalista, nos mecanismos da acumulação do capital, na busca sem escrúpulos do lucro máximo.

Todavia, não obstante a idéia fixa no vil metal, WW é muito ruim de conta. Os "mercenários" levavam uma vida modesta. Tome-se o caso de Prestes. Recebia uma mesada de 290 dólares, enviados da URSS. Hoje, essa quantia equivale a menos de três salários mínimos. E o orçamento da "intentona"? Pouco mais de 20.000 dólares, o preço de um automóvel (não importado).
Segundo o próprio WW, a documentação que utilizou "não pode ser consultada", nem é sequer possível conhecer a sua localização precisa. Como comprovar, portanto, a credibilidade das informações contidas em Camaradas?Podemos acreditar nas palavra do autor, se no decorrer do texto encontramos afirmações ridículas e sabidamente equivocadas, que depõem contra a seriedade de WW? Para citar apenas alguns exemplos: afirma-se no livro que Genny Gleiser - a jovem expulsa do Brasil e deportada para a Europa por Getúlio Vargas, como tantos outros judeus - teria sido a mulher de Fernando Lacerda, na verdade casado com Gina Lacerda; diz-se que Genny Gleiser teria abandonado Lacerda, apaixonada por E. Browder, o então secretário-geral do PC americano, que, aliás, jamais esteve no Brasil.
Outra sandice incluída em Camaradas: Orlando Leite Ribeiro teria acompanhado Prestes e Olga em sua viagem clandestina para o Brasil. Se erros tão grosseiros foram cometidos, qual a garantia de que as informações supostamente extraídas de documentos que ninguém pode ver estejam corretas e não tenham sido manipuladas? Pode ser sério um trabalho de "história baseado em fontes invisíveis e secretas?". Assim escreveu Anita Leocádia (Jornal do Brasil, 06/11/93), filha de Olga, Prestes e, como costuma justamente dizer, "da solidariedade internacional".

Na falta de prefácio, que poderia (e muito adeqüadamente) ter sido encomendado ao benemérito Pedro Bial, o livro de WW ganhou na louvação de Wilson Martins (WM) um correligionário posfácio.

Crítico literário medíocre, ignorante em política, na condição de hierofante da indigência cultural das elites (essas mesmas das mazelas e roubos que assolam o país), WM é todo elogios para o escrito de WW (jornal do Brasil, 27/11/93).

Pretensioso e arrogante, o que é uma prerrogativa dos pseudo-intelectuais, chegando, recentemente, a pôr em dúvida a veracidade da obra-prima da parcela político-memorial do labor literário de Graciliano Ramos - Memórias do cárcere -na ótica da censura da rentável indústria da falcatrua anticomunista, WM investe furiosamente contra os revolucionários de 35. Sugere a continuidade do cárcere de Prestes, das torturas de Berger, do sacrifício de alga. Um nazista infeliz em perseguição do inglório.

Fala, em tonalidades de cinismo crítico, das "condições de caráter de Prestes", "das hagiografias piedosas inspiradas entre nós por Olga Benário". Vai adiante, com a histeria típica dos que tentaram e, por motivos inconfessáveis, não conseguiram ser comunistas, referindo-se a alga como "confidente das mais altas instâncias soviéticas, que a encarregaram da segurança do camarada Prestes, seu último marido". Qual a insinuação real dessa menção? Sumariamente, WM é um completo velhaco e um refinado canalha.

A citação, a seguir, de um trecho do que elegemos como posfácio, em confirmação do juízo acima: "Olga Benário, cuja memória se beneficia pela circunstância irônica de ter sido eliminada pelos inimigos e não pelos camaradas de partido (ao contrário do que aconteceu com todos os seus companheiros de aventura no Rio de Janeiro que cometeram o erro de regressar a Moscou.)".
Quanta frieza e mentira, em tão curto espaço! Senão, vejamos: qual a conotação "irônica" que pode ser apreendida nesse seqüencial drama trágico – uma gestante, comunista e judia, deportada aos cuidados da Gestapo, encerrada num campo de concentração, separada à força de sua filha de meses, morta numa câmara de gás? Quanto aos "companheiros", os fatos são bem distintos do que é inescrupulosamente insinuado. Elise Ewert, mulher de Berger, foi assassinada na Alemanha pelos fascistas. Teve final idêntico ao de alga. Arthur Ewert (Harry Berger) morreu louco, na década de 50, na ex-RDA, em conseqüência do tratamento recebido pela polícia de Filinto Muller. Victor Allen Barron, jovem militante comunista norteamericano, barbaramente torturado, foi jogado do último andar do prédio dá Polícia Especial, no centro do Rio, que divulgou sua morte como suicídio.Rodolfo Ghioldi faleceu, octogenário, em Buenos Aires.
Eis o jornalismo dessa gente. E com pretensões de reescrever a história. Não fosse o esquecimento, no que se refere ao Bial, a reportagem do "estadão" ficaria, desde a abertura até o fechamento, realmente fantástica.

Pobre Lord Wilson. Tão decadente quanto o império britânico. Um leão sem juba. Frente a tamanha e tão grosseira falsificação, fica uma consolidada certeza: o comunismo está vivo. Os liberticidas falharam. Sabem que "o mor,to se levanta e anda". Ronda o mundo, como um espectro. E futuro, e não passado. Talvez isso explique suas próprias vitórias de trânsito. A aurora é inexorável, proclamava Neruda. Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã, confirmava Brecht.

Livros dessa qualidade têm um duplo efeito. Enquanto os revolucionários (dinossauros?) dormem tranqüilos, a sono solto, os reacionários, no rápido fenecer da alegria fugaz da ignorância, saem da euforia enganosa e mergulham na depressiva insônia dos invertebrados.
"1935 não chega a ser mistério, nem fruto de manipulação estrangeira, como sugere W. Waack. Surge com formidável ascenso da luta revolucionária no mundo, contrapondo-se ao nazifascismo, séria ameaça a todos os povos. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), que teve apenas alguns meses de atuação legal, nasceu do sentimento libertador e antifascista do povo brasileiro" (João Amazonas) .

Juliano Siqueira
Novembro/2005

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

O LEVANTE DE 35 - II












Setenta anos depois
A INSURREIÇÃO MILITAR E COMUNISTA DE 1935

Ives Bezerra
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Médico, Professor Adjunto do Departamento de tecnologia da UFRN, Membro da Academia de Medicina do Rio Grande do Norte, Secretário Adjunto da Federação Brasileira de Ginecologia Obstetrícia, Presidente Eleito da Associação de Ginecologia Obstetrícia do Rio Grande do Norte.


INTRODUÇÃO (LEAD)

Às 19h30m do sábado, 23 de novembro de 1935, o 21º Batalhão de Caçadores do Exercito Brasileiro, sediado em Natal, iniciou um levante liderado por sargentos e cabos filiados ao Partido Comunista do Brasil e à Aliança Nacional Libertadora, organização política de esquerda, recebendo a adesão da direção do PCB e a participação de operários, populares e ex-integrantes da guarda civil do Estado. Consolidado o controle militar, foi instalado um auto-denominado “Comitê Popular Revolucionário” que durante 80 horas, até a madrugada do dia 27, manteve o controle da capital e de dezessete cidades do interior, dissolvendo-se e pondo-se em fuga, ante a aproximação de tropas leais ao governo federal, provenientes dos estados vizinhos. O episódio ocorreu simultaneamente com dois outros levantes militares frustrados no Recife e no Rio de Janeiro, desencadeando numa violenta repressão que levou à prisão de milhares de cidadãos, entre eles o líder comunista Luis Carlos Prestes e culminou com o golpe militar de 1937 que implantou o regime de direita denominado Estado Novo. Finalmente, apesar do curto período, da ausência de medidas sociais de maior vulto e da desorientação de seus lideres, entrou para a historia como a primeira experiência comunista de governo no continente americano.
Esta série de artigos não tem a pretensão de analisar sociologicamente as causas da revolta ou as suas conseqüências para história política do País, mas apenas oferecer às novas gerações com base na razoável literatura existente, em pesquisa na imprensa da época e na memória pessoal do autor, na condição de filho e neto de contemporâneos do episodio, as informações que possam ajudar a dirimir algumas das dúvidas existentes. Constitui também uma homenagem àqueles que, de um lado ou de outro, acertada ou equivocadamente, há setenta anos, com idealismo e patriotismo, lutaram por mudanças sociais ou defenderam a legalidade.

1. OS ANTECEDENTES NACIONAIS

A partir de 1932 o país viveu uma fase de agitação política, social e militar, talvez nunca igualada em outros períodos de nossa história e que somente terminou no final de 1935, com as revoltas militares do Rio de Janeiro, Recife e Natal, cuja derrota deu início ao longo período de repressão que culminou com a implantação do Estado Novo em 1937 e findou com a redemocratização e a deposição de Vargas em 1945.
A revolução de 1930, tendo como bandeiras a representatividade do voto popular, o combate ao coronelismo político, à corrupção e ao atraso econômico, derrubou a República Velha, cujos principais expoentes eram os chefes políticos tradicionais de São Paulo e Minas Gerais, que se alternavam no poder, na chamada "política do café com leite", numa alusão às principais atividades econômicas daqueles estados. A ascensão de Getúlio Vargas ao governo provisório foi fruto de uma aliança heterogênea de políticos emergentes com dissidentes oportunistas do antigo regime e uma geração de jovens militares idealistas e politizados que há uma década lutavam por reformas políticas, através de intervenções militares.
A primeira dessas foi o levante da guarnição do Forte de Copacabana em 05 de julho de 1922, liderada pelos tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos, um episódio que ficou conhecido como “Os Dezoito do Forte” e foi o ponto de partida do movimento conhecido como “tenentismo”, que empolgou toda uma geração de militares, divididos ao longo de quadro décadas entre várias tendências ideológicas, sendo alguns de seus expoentes, como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Juraci Magalhães e Ernesto Geisel, orientadores do golpe militar de 1964. O “tenentismo” era um movimento ao mesmo tempo nacionalista, contra a dependência do capital externo, anti-oligárquico, no combate ao coronelismo político e moralista, combatendo a corrupção nos vários níveis de governo. A grande contradição do movimento tenentista reside em sucessivas tentativas de purificação da democracia e valorização do voto popular através de intervenções militares, dentro da tradição das forças armadas, desde a proclamação da república. Em 1924, ocorreu o segundo 5 de Julho, com o levante das guarnições do exército e da Força Pública de São Paulo e de quartéis de exército na fronteira do Rio Grande do Sul, que ao serem reprimidas pelas forças legalistas, promoveram uma retirada estratégica e se uniram naquela que seria a lendária Coluna Prestes, comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes e que contando com 1.500 homens, percorreria 25 mil quilômetros em 14 estados, durante trinta meses, até exilar-se na Bolívia, em 24 de março de 1927.
A extraordinária capacidade de liderança militar, os dotes de estrategista exímio, a austeridade pessoal e o caráter inatacável do jovem capitão de 24 anos, somaram-se à fama que a “coluna invicta” angariou no imaginário popular, e resultou na entrega simbólica a Luís Carlos Prestes da liderança do tenentismo e por extensão, daquela que então se denominava a Revolução Brasileira, anti-oligárquica, liberal, moralista e industrializante. Exilado na Bolívia e a seguir na Argentina, Prestes não era mais o idealista apolítico. Iniciou-se na leitura de Marx e nos contatos com os comunistas argentinos. Após a derrota de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de 1930 para o candidato do presidente Washington Luís, Prestes, passa a ser assediado pelos tenentes e pelo próprio Vargas, para assumir o comando do movimento militar. A essa altura, descrente da democracia liberal-burguesa, funda a Liga de Ação Revolucionária, de existência efêmera, recusa a adesão à Aliança Liberal no famoso manifesto em que renega seu passado tenentista e afasta-se da maioria de seus mais destacados comandados da Coluna, que apóiam Vargas, com ele chegam ao poder em outubro de 1930 e assumem importantes funções no Governo Provisório e como interventores em vários estados. Combatido pelo Partido Comunista do Brasil que, fundado em 1922, seguia então uma linha sectária, “obreirista”, Prestes faz contato direto com a Internacional Comunista e é convidado para passar uma temporada de estudos do marxismo-leninismo na União Soviética, para onde viaja em setembro de 1931 e onde permanece até abril de 1934, quando chega ao Brasil, em companhia de Olga Benário.
Enquanto isso, a situação política no Brasil, deteriorava-se em face da crise econômica e das contradições existentes no interior do governo Vargas, um amontoado heterogêneo de interesses conflitantes: os “tenentes” insatisfeitos com a ausência de reformas sociais, os cafeicultores e industriais paulistas inconformados com a perda do mando, os liberais clamando por eleições. Em 1932 eclode a Revolução Constitucionalista em São Paulo que, mesmo derrotada, consegue um objetivo: pressionado, Vargas convoca eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte que, instalada em 15 de novembro de 1933, foi palco e iniciou um período de dois anos dos mais agitados da vida parlamentar brasileira.
Apesar da ampla maioria obtida pelo governo e da eleição indireta de Vargas para um mandato constitucional de quatro anos (1934 – 1938), uma aguerrida bancada de oposição repercutia no congresso a agitação e a polarização ideológica existente no País. Plínio Salgado fundaria em 1933, a Ação Integralista Brasileira, organização de orientação fascista que empolgou os setores de direita, inclusive com forte penetração nos quartéis e marcada linha anti-comunista. De outro lado, começavam a articular-se os setores democráticos de esquerda, que incluíam socialistas, nacionalistas, trotskistas, operários, camponeses, intelectuais e estudantes, para a formação de uma organização que contrabalançasse o crescimento do fascismo e forçasse o governo Vargas a tomar medidas populares.
Instalada em março de 1934, a Aliança Nacional Libertadora era uma frente ampla, cuja principal força era constituída pelos tenentes dissidentes da Revolução de 30, inconformados com os rumos tomados e que ainda reconheciam em Prestes o seu líder e comandante. Seu presidente era o capitão da marinha Hercolino Cascardo, revolucionário de 30, democrata de esquerda e interventor federal no Rio Grande do Norte de julho/31 a julho/32. Oito dos dezessete membros do Diretório Nacional eram militares. O Partido Comunista do Brasil somente a ela aderiu após a decisão da Internacional Comunista de recomendar aos seus partidos filiados, a política de frente popular. Antes disso porém, muitos “tenentes” comunistas haviam aderido. A chegada de Prestes ao Brasil, seu apoio à ANL -Aliança Nacional Libertadora, e sua escolha para presidente de honra incendiaram o tenentismo, aumentou a adesão ao movimento e produziu uma seqüência de assembléias e manifestações populares, que culminaram com os grandes comícios do dia 05 de julho em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neste, o estudante Carlos Lacerda leu o manifesto de Prestes, sectário e provocativo, que ao final proclamava: “abaixo o fascismo, por um Governo Popular Nacional Revolucionário, todo o poder à ANL”. Seis dias depois, o governo publicou o decreto de fechamento da ANL e a prisão de numerosos oficiais aliancistas. Esses atos, embora não justificassem, influenciaram decisivamente a eclosão dos levantes de novembro.
Compreensivelmente, desde a adesão de Prestes ao marxismo-leninismo em 1929, o Partido Comunista o rejeitava, em parte pelo radicalismo da linha “obreirista” que afastou da direção os intelectuais, substituídos por quadros oriundos do operariado. Alegando sua origem pequeno-burguesa e seu personalismo, na realidade temiam que seu prestígio popular se sobrepujasse ao partido e faziam forte oposição ao que então se denominava “prestismo”. Seu ingresso no PCB somente ocorreu por imposição da Internacional Comunista, na ocasião da ida dos integrantes do Comitê Central a Moscou, para participar do VII Congresso da IC – Internacional Comunista, em outubro de 1934. Nessa ocasião foi também decidida a volta de Prestes ao Brasil e a preparação para instalação no Rio de Janeiro, do Bureau Sul-América da IC, que seria transferido de Buenos Aires, para o que, a pedido do Comitê Central, foram destacados cinco quadros da organização com funções de assessoramento, entre eles Olga Benário e Arthur Ernst Ewent, o “Harry Berger”, ambos alemães. No primeiro semestre de 1934 assume o cargo de Secretário Geral do PCB, Antônio Maciel Bomfim, o Miranda, um professor primário do interior da Bahia, que ascendeu graças à política “obreirista” do partido e seu reconhecido poder de envolvimento, inclusive dos membros da Internacional. Seus relatórios, tanto para Moscou como para o CC – Comitê Central, em tom triunfalista alegava que o país estava pronto para a revolução socialista, com intensa mobilização no campo (o que era uma fantasia), nos sindicatos (um exagero) e no meio militar. Prestes, afastado da realidade brasileira devido a dez anos de lutas, exílio e clandestinidade, dotado de uma personalidade destituída de sentido pragmático e de oportunidade, fatalmente entregou-se aos mesmos devaneios.
A partir de julho de 1935, fechado o único canal de atuação política legal, a ANL – Aliança Nacional Libertadora, os tenentes aliancistas e comunistas recomeçaram a prática do esporte preferido de sua geração há treze anos: a conspiração. E a preparação daquilo que sua formação autocrática entendia como a forma mais justa de tomar o poder para realizar as reformas que julgavam necessárias para o país: o levante, o golpe, o “putsch”. Em várias guarnições do país, mas principalmente no Rio de Janeiro, em Recife, Maceió, João Pessoa, Natal, Belém e Manaus, articulavam-se oficiais, sargentos e cabos para um movimento militar que não se sabia quando ou onde começaria, mas para o qual todos tinham uma certeza: o comandante seria Luís Carlos Prestes.

2. OS ANTECEDENTES LOCAIS

2.1. As agitações políticas e sociais da primeira metade da década de 30 repercutiram no Rio Grande do Norte de forma amplificada. Com a vitória da Revolução Liberal e a deposição do presidente Washington Luis, findava em nosso estado um ciclo de dominação política iniciado com a proclamação da república e a instauração da oligarquia dos Albuquerque Maranhão, da qual as expressões principais foram os presidentes (denominação dada na época aos governadores) Pedro Velho (o líder, falecido precocemente), Alberto Maranhão (dois mandatos), Ferreira Chaves e Tavares de Lira. Diretamente ou através de prepostos, esse grupo, favorecido pelas "eleições a bico de pena", conduziu os destinos do estado até o início da década de 20, quando consolidou a sua força política, um coeso grupo de oligarquias familiares baseado no latifúndio agro-pastoril e no poder local. Essa confederação de oligarquias tinha sua expressão máxima na região do seridó, de onde vinham suas principais lideranças, entre as quais se destacava no final da década, como seu incontestável comandante, José Augusto Bezerra de Medeiros, várias vezes deputado geral (federal), senador e presidente (governador) no quatriênio 1924 - 1927, elegendo seu sucessor. José Augusto era um líder nato. Inteligente, bom orador, ameno no trato, sedutor, conciliador e sobretudo excelente articulador, detinha o comando político com suavidade o que facilitava a coesão interna do partido e dificultava as ações da débil oposição. Seu sucessor, o também seridoense Juvenal Lamartine de Faria, tinha temperamento diverso. Culto, estudioso das questões econômicas da região, atualizado, com vocação mais dirigida para a ação administrativa que para a política, eleito para o quatriênio 1928 - 1931, realizou governo dinâmico, modernizador, estimulador da cultura e dos esportes, mantenedor da ordem pública. Criou o aero clube, implantou campos de pouso no interior, abriu estradas, foi pioneiro dos direitos femininos, fazendo aprovar legislação estadual que concedia o direito de voto à mulher, pioneiro no país. O combate ao banditismo e ao cangaço, os excessos ocorridos e sua personalidade autoritária contribuíram para o crescimento da oposição, principalmente nos redutos locais, sendo seu principal líder o jornalista e advogado trabalhista João Café Filho. Deposto pela revolução liberal e exilado na Europa, Lamartine foi substituído por uma junta militar, em 05 de outubro de 1930.
A partir de 12 de outubro de 1930 até 29 de outubro de 1935, o Rio Grande do Norte teve cinco interventores nomeados pelo governo provisório, chefiado por Vargas. Essa rotatividade de curtos períodos contribuiu para a descontinuidade administrativa e a instabilidade política. De 12 de outubro a 27 de novembro de 1930, Irineu Joffily, advogado e paraibano, cuja dupla condição provocou ciumeira dos tenentes e dos políticos potiguares, resultando em desgaste e breve destituição. De 28 de novembro de 1930 a 02 de julho de 1931, Aluisio Moura, tenente do exército e casado com natalense, seria depois chefe de polícia e comandante da polícia militar (1933/1934). De 03 de julho de 1931 a 10 de julho de 1932, o capitão da marinha Hercolino Cascardo, catarinense, revolucionário de primeira hora, tenentista de orientação esquerdista e que seria um ano depois, fundador e presidente da Aliança Nacional Libertadora. De 11 de julho de 1932 a 01 de agosto de 1933, Bertino Dutra, capitão da marinha e também casado com natalense, que governou no período da revolta constitucionalista paulista de 1932 e destituído de aptidão política. Finalmente em 02 de agosto de 1933, assume o primeiro civil e norteriograndense, Mário Leopoldo da Câmara, que veio com a missão específica de preparar o terreno para dar a vitória no estado, nas eleições de novembro de 1934 para Assembléia Estadual Constituinte, ao Governo Vargas. Filho de um prestigioso político de oposição da República Velha, o ex-deputado Augusto Leopoldo da Câmara, residindo há muitos anos no Rio de Janeiro e portanto afastado do radicalismo local, alto funcionário do Ministério da Fazenda, adquiriu a confiança de Vargas como seu chefe de gabinete naquele ministério no período de 1926/1927 e era seu oficial de gabinete na presidência quando de sua designação para a interventoria.
Mário Câmara trazia orientação de Vargas, de aproximar-se de José Augusto e fazer uma composição com seu grupo político. Sua missão não parecia difícil. A grande maioria dos políticos da República Velha, gradualmente iniciou sua aproximação com o governo federal a partir de 1931. O Partido Popular fundado por José Augusto em janeiro de 1933, reunindo os antigos situacionistas, elegera três dos quatros deputados norte-riograndenses à Assembléia Nacional Constituinte, que já haviam declarado apoio ao governo, inclusive à eleição indireta de Vargas para presidente constitucional que ocorreria em 17 de julho de 1934. Histórica fotografia do ato de fundação do partido, mostra na primeira fila o jovem estudante do Ateneu Aluisio Alves, o qual aos 11 anos, já demonstrava a mesma precocidade política que o fez deputado federal aos 21 anos e governador aos 39 anos. O novo interventor foi recebido com boa vontade pelo Partido Popular e pelo seu Jornal A Razão e os entendimentos prosseguiram, estimulados pela demissão do chefe de polícia Café Filho, tradicional adversário do grupo oposicionista. O impasse estabeleceu-se quando Câmara concordou com a participação dos populistas no governo com a condição de formação de um novo partido que congregasse os dois grupos. Temerosos de entregar o comando político ao interventor, os líderes recusam a auto-extinção do seu Partido Popular e apesar da intervenção direta de Vargas, Mário Câmara estimulado pelos correligionários e picado pela "mosca azul", funda em julho de 34 o seu Partido Social Democrático, coopta um deputado federal do PP, Francisco Martins Veras, articula os prefeitos (então nomeados pelo interventor) e reconcilia-se com Café Filho, formalizando uma coligação do PSD com o PSN, denominada Aliança Social. Estava dada a partida da mais radical das campanhas políticas de nosso estado e que, marcada pela paixão e pela violência, envolveu grande parte da oficialidade do exército destacada no 21BC.
A primeira manifestação de violência ocorreu precocemente, com o assassinato em maio de 1934, cinco meses antes da eleição, do chefe oposicionista de Apodi, Francisco Pinto. Em agosto, durante comício do Partido Popular em Parelhas, houve tiroteio entre membros de ambas as facções, resultando em um morto e dois feridos. Em 13 de fevereiro de 1935, dias antes das eleições suplementares que foram realizadas em 39 secções eleitorais de 23 municípios, uma escolta da polícia militar com a missão de prender o agrônomo Otávio Lamartine, filho do ex-governador, baleou-o e causou sua morte, na fazenda Ingá, em Acari, provocando grande comoção e indignação no estado, com repercussão na imprensa e na Assembléia Nacional.
2.3. Durante toda a campanha eleitoral, que durou oito meses, foi notória a participação da maioria dos oficiais do 21 BC em apoio ao Partido Popular, um fiel retrato da indisciplina que reinava nos quartéis naquele período. Esse fato determinou uma disputa junto ao Ministério da Guerra, entre o interventor, com prestígio no gabinete presidencial e José Augusto, muito ligado às bancadas gaúcha e mineira. No entrevero, bem ao seu estilo, Vargas "cozinhou" os dois lados até o final do processo. Merece registro, por retratar muito bem o ambiente de boatos e intrigas, a solicitação do interventor ao comandante da região militar para a transferência de dez sargentos que supostamente também estariam apoiando a oposição "liberal". Curiosamente, quatro deles estiveram entre os mais destacados líderes do levante de novembro. As eleições realizaram-se em 14 de outubro de 1934 e tiveram a participação também do Partido Comunista do Brasil (com chapa encabeçada por Lauro Reginaldo da Rocha, membro do Comitê Central Nacional e norte-riograndense) e da Ação Integralista Brasileira (encabeçada pelo advogado Otto de Brito Guerra). Um recurso da Aliança Social é acatado pelo TSE e eleições suplementares são realizadas em fevereiro de 1935. Somente em 16 de outubro de 1935, o Tribunal Superior Eleitoral proclamou o resultado final: o Partido Popular elegeu três dos cinco deputados federais (José Augusto, Ferreira de Souza - senador de 46 a 54 e Alberto Roselli) e a Aliança Social, dois (Café Filho e Martins Veras); dos 25 deputados federais, 14 eram do PP (entre eles, José Augusto Varela, governador de 47 a 50, Aldo Fernandes, futuro secretário-geral do estado e Maria do Céu Pereira, primeira parlamentar eleita no Brasil) e 11 da Aliança Social (entre eles Djalma Marinho, várias vezes deputado federal no período de 1950 a 1974). Foi também marcada a data para a instalação da Assembléia e eleição indireta do Governador e dois senadores: 29 de outubro de 1935.
A partir do mês de abril, com a divulgação do resultado parcial das eleições dando a vitória à oposição e a perspectiva da volta ao poder dos depostos em 1930 e com o fechamento da Aliança Nacional Libertadora no mês de julho, o ambiente político adquiriu uma temperatura mais elevada. No interior do estado grupos civis armados, provocavam agitação e no Rio de Janeiro, o interventor usava o seu antigo prestígio na tentativa de virar o jogo: influir nas decisões do TSE ou cooptar dois dos deputados da oposição.
No quartel do 21 BC a situação não era das mais calmas. Além dos baixos salários e más condições de trabalho, pairava sobre sargentos, cabos e soldados a ameaça de cumprimento de decreto presidencial que autorizava o ministério a dispensar aqueles que contassem com menos de dez anos de serviço e a reformar quem tivesse mais de vinte anos. Com o fechamento da ANL, os seus filiados, que eram muitos, ficaram sem um canal de expressão política e passaram a conspirar.
Desde 1926, as primeiras células do Partido Comunista em Natal começaram a atuar, sob a liderança dos sapateiros José Praxedes e Aristides Galvão e em Mossoró, com Raimundo Reginaldo da Rocha. A partir de 1933 com a abertura política devida à convocação das eleições para a constituinte e a criação da Aliança Nacional Libertadora, os trabalhos de organização do partido se intensificaram, culminando com a I Conferência Estadual realizada em abril de 1935, em Natal, quando foi formalmente eleita sua primeira direção, constituída pelos três já citados, mais Francisco Moreira e Lauro Lago, então diretor da Casa de Detenção, a penitenciária estadual. Nesta reunião estiveram presentes João Batista Galvão, servidor público estadual, em cuja residência de solteiro se realizavam a maioria das reuniões do partido, e José Macedo, funcionário do Departamento dos Correios. Seguindo orientação do Comitê Central e da Internacional Comunista, as ações do partido estavam direcionadas para três focos: o movimento operário (o PCB controlava a direção dos dois maiores sindicatos do estado, o dos estivadores de Natal e o dos salineiros de Mossoró, além do sindicato dos sapateiros de Natal), o movimento camponês (havia movimento armado no campo, no Vale do Assu e em Areia Branca) e na área militar (eram membros do partido os sargentos Quintino Clementino de Barros e Eliziel Diniz Henriques e o cabo Giocondo Dias, que na década de 1980, seria secretário geral do PCB). No 21BC havia duas dezenas de sargentos e cabos aliancistas e com ligações com o partido e que conspiravam permanentemente. Entre março e novembro de 1935, estiveram em Natal, conspirando e aliciando oficiais e subalternos para um golpe armado com o objetivo de depor Vargas e implantar um regime militar, vários "tenentes" aliancistas: em março, o capitão Otacílio Lima, lotado no 29BC de Recife e membro do PCB, vem a pretexto de viagem de inspeção e articula-se com sargentos do 21BC; em julho, o capitão da marinha Roberto Sisson, ex-vice-presidente da ANL, com a mesma finalidade; também em julho, o tenente João Cabanas, legendário participante da Coluna Prestes, visita Natal e a região da guerrilha camponesa no Vale do Assu; em agosto, o capitão Silo Meireles, também do 29BC e comunista.
Desde o mês de junho de 1935 encontrava-se em Natal, designado pelo comitê central do Partido Comunista, João Lopes, destacado membro do secretariado político, com a missão de assessorar a direção estadual e com a orientação de impedir o envolvimento do partido em aventura golpista. Recebeu do comitê central o codinome Santa e ficou em Natal até o dia 27 de novembro tendo importante papel nos acontecimentos.
Nos dias que sucederam a proclamação dos resultados eleitorais, a bancada oposicionista viajou para João Pessoa, onde foi recebida pelo governo paraibano, alegadamente por motivos de segurança, mas também com a finalidade de evitar a possibilidade, muito comentada na época, de cooptação de pelo menos dois deputados , o que inverteria o resultado da eleição indireta para 12 a 13.
Em 27 de novembro, o interventor Mário Câmara transmite o cargo ao Coronel Liberato Barroso, comandante interino do 21BC e embarca no dia seguinte, de navio, para o Rio de Janeiro. Em 29, realiza-se a eleição indireta com o resultado esperado: Rafael Fernandes, ex-deputado federal e estadual, principal líder da política mossoroense, recebeu 14 votos e o desembargador Elviro Carrilho, candidato simbólico, 11 votos. Com a posse imediata, após exatos cinco anos, os grupos oligárquicos retornavam ao poder e como sempre acontecia, iniciava-se a revanche.
Em todo o estado foi iniciado o processo de substituição, não somente de prefeitos e delegados de polícia, mas em todos os níveis da administração, inclusive do ministério público, acirrando ainda mais os ânimos e fomentando a revolta. Houve um fato que envolveu um segmento específico do funcionalismo: a extinção da Guarda Civil e a demissão em massa de seus componentes. Criada por Mário Câmara, com seus componentes recrutados entre correligionários e segundo a oposição, em muitos casos, com antecedentes de violência e até de criminalidade, a Guarda Civil, com desvio de funções, merecia um expurgo. No entanto a demissão indiscriminada de três centenas de seus participantes, com a agravante de ter sido previamente anunciada, transformou parte dos demitidos em conspiradores e insufladores da revolta dos descontentes subalternos do 21 BC, com sua demissão também anunciada. Finalmente, na sexta-feira 22 de novembro, o secretário geral do estado determina a demissão, por motivos ideológicos, do diretor da Casa de Detenção e servidor da polícia civil, Lauro Lago (na realidade, membro do CC do PCB, mas não envolvido na conspiração). Os atores achavam-se na coxia, aguardando as três batidas convencionais para adentrar o palco.


3. O TEATRO DOS ACONTECIMENTOS
A Natal de 1935 era uma cidade provinciana de aproximadamente quarenta e dois mil habitantes, o equivalente a apenas cinco por cento da população do estado. Com a atividade econômica baseada na agricultura e na pecuária, a população do Rio Grande do Norte era predominantemente rural, a capital sediando as incipientes atividades administrativas, o ensino de primeiro grau e umas poucas indústrias de transformação.
A área urbana encontrava-se circunscrita a um perímetro limitado a leste pelas praias do Meio e de Areia Preta, ao norte o rio Potengi, ao sul a cadeia de dunas acompanhada pela avenida Hermes da Fonseca e ao oeste, uma linha imaginária que partindo do atual Aero Clube, acompanhasse a rua presidente Sarmento (avenida Quatro) até o Potengi. Areia Preta possuía algumas casas de veraneio e Brasília Teimosa e Santos Reis eram um grande areal (aliás denominação que persiste até hoje, em certo trecho).
Nas Rocas, concentrava-se uma população predominantemente operária e de estivadores e portuários, o que explica a intensa atividade política no bairro, que abrigava a maioria dos militantes do Partido Comunista e dos sindicatos.
A Ribeira sediava as principais repartições públicas estaduais e federais, o comércio atacadista e o sofisticado, bares e jornais. Na rua Tavares de Lira, o centro nevrálgico da cidade (equivalente ao Grande Ponto das décadas de 50 a 70), o Banco do Brasil, o Café Cova da Onça (onde havia tradicionais rodas de políticos, empresários e profissionais liberais), o Hotel Internacional (na esquina da Rua Chile) e ao final, o cais onde faziam o translado, em lanchas para os navios, os passageiros do único meio de transporte para o sul do pais. Na Tavares de Lira também se realizavam os festejos carnavalescos e as concentrações políticas. Na Duque de Caxias e ruas adjacentes residiam famílias de classe média e alta, algumas protagonistas dos episódios adiante descritos.
Na praça Augusto Severo, o Teatro Carlos Gomes, única casa de espetáculos do gênero era também o grande auditório onde ocorriam as principais solenidades da cidade. No outro lado da praça, o Cinema Politheama.
A Assembléia Legislativa, instalada em 29 de novembro, após recesso de cinco anos, funcionava no prédio que hoje sedia a Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Rio Grande do Norte. Defronte, a praça Tomás de Araújo, onde seria construída a atual sede do SESC e do outro lado da mesma, o Quartel do 21º Batalhão de Caçadores, no terreno hoje ocupado pelo Colégio Estadual Winston Churchill. No quarteirão ao lado, onde hoje situa-se a agência do Banco do Brasil, o mercado público da Cidade Alta, na época o único existente. Ainda na avenida Junqueira Aires (atual Câmara Cascudo) no prédio hoje ocupado pela Capitania das Artes, a Escola de Aprendizes Marinheiros, única unidade naval sediada na cidade.
Cruzando as praças Sete de Setembro, André de Albuquerque e João Tibúrcio e descendo em demanda do Rio Potengi, vamos encontrar na velha rua da Salgadeira, onde hoje funciona a Casa do Estudante, o quartel do Batalhão de Policia Militar que foi o cenário da principal batalha ocorrida em Natal.
No ano de 1935, os estabelecimentos que ministravam o ensino formal de primeiro grau eram em número reduzido, compreendendo o velho Atheneu Norteriograndense, no prédio hoje ocupado pela Secretaria Municipal de Finanças, a Escola Normal, na rua da Conceição (ao lado da atual Assembléia Legislativa), o Ginásio Santo Antonio (no atual convento do mesmo nome), o Ginásio Nossa Senhora das Neves, no Alecrim, o Ginásio Pedro II, na avenida Rio Branco, por trás do teatro e a Escola Doméstica, na Ribeira, onde hoje funciona o Centro Clinico Dr. José Carlos Passos.
Três jornais tinham circulação diária: A Republica, órgão oficial do estado, dirigido pelo advogado Edgar Barbosa, A Razão, órgão do Partido Popular, fundado em 1934, durante a campanha eleitoral e que encerrou suas atividades após a posse do governador Rafael Fernandes, O Jornal, dirigido pelo jornalista e advogado provisionado João Café Filho, que exercia o papel de principal voz de oposição desde os últimos anos da Republica Velha e A Ordem, folha católica, à época com orientação fortemente integralista.
As únicas agremiações sociais eram o Natal Clube, na esquina da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa e o Clube Carneirinho de Ouro, na avenida Tavares de Lira, que mesmo com atividades reduzidas, sobrevive até os nossos dias.
Nos esportes, o remo atraia a atenção da sociedade, disputado entre o Centro Náutico Potengi e o Sport Clube de Natal, com suas sedes na rua Chile, às margens do Potengi, onde as regatas domingueiras mobilizavam a população. O futebol inciava a consolidação de sua popularidade, deixando a prática improvisada nas praças Pedro Velho e Pio X, já realizando seus campeonatos no então chamado “Campo da ARA”, atual estádio Juvenal Lamartine, onde rivalizavam ABC, América e Alecrim, fundados em 1915. Nesse ano de 1935, como sempre sob o comando de Vicente Farache, o ABC Futebol Clube sagrou-se tetra-campeão, com um time histórico formado por Edgar, Nezinho e Dorcelino; Adalberto, Hermes e Acácio; Oscar, Simão, Xixico, Mário Crise e Edevaldo.
O único meio de transporte coletivo era o bonde elétrico, implantado na década de 20 e que sobreviveu até 1954. Seu trajeto, partindo da Ribeira, cursava a Duque de Caxias, praça Augusto Severo, Junqueira Aires, Ulisses Caldas e Rio Branco, terminando na praça Padre João Maria. Do Grande Ponto, saiam três linhas em demanda dos novos bairros residenciais: para Petrópolis, seguindo a João Pessoa, Deodoro, praça Pedro Velho, Nilo Peçanha e Getulio Vargas, onde findava; para o Tirol, pela Jundiaí e Hermes da Fonseca, até o Aero Clube; para o Alecrim, descendo a Rio Branco, subindo a Amaro Barreto e pela Presidente Quaresma chegando à rua São João, em Lagoa Seca. Não havia mais que três dezenas de automóveis particulares na cidade e alguns poucos “carros de aluguel”. O sistema de telefonia, embora existente há mais de uma década, era precário e limitado, com menos de uma centena de aparelhos. Tal deficiência de comunicações, agravada pela coincidência (ou pelo propósito) da eclosão do movimento ter ocorrido em um final de semana, teria fundamental importância nos acontecimentos.
Estava montado o cenário. Deixemos que os atores saiam da coxia e adentrem o palco.

4. 23 DE NOVEMBRO DE 1935, SÁBADO.

9h – O bacharel João Medeiros Filho, Chefe de Polícia, recebe telefonema do 21ºBC, informando o desligamento de praças, por incapacidade moral.
O jornal A República, órgão oficial do governo do estado, noticiava a realização à noite, no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, de solenidade de colação de grau do Colégio Santo Antônio, então funcionando nas dependências do atual convento e confirmava a presença do governador Rafael Fernandes. Informava ainda estar ancorado no cais do porto, uma esquadrilha mexicana, composta de seis navios, em operações de treinamento.
O secretário geral do governo, Aldo Fernandes, teria recebido em palácio informações acerca de "reuniões de caráter subversivo" com a participação de Lauro Lago, que recentemente havia sido demitido da direção da Casa de Detenção, após a posse do novo governo.
No quartel do 21º BC chegou expediente do comandante da 7ª Região Militar oficializando o desligamento dos primeiros 30 soldados, cabos e sargentos com o tempo de convocação extinto e a informação de que na segunda-feira, 25, chegaria nova relação.

12h - Findo o expediente da manhã e por ser sábado, os oficiais e praças foram dispensados com a obrigação de apresentar-se para a revista, somente às 21 horas, ficando no quartel apenas o pessoal da guarda e o oficial de dia, tenente Abel Cabral Batista.

15h - A direção do Partido Comunista que se encontrava reunida com o enviado do comitê central nacional João Lopes, o Santa, recebe a visita do cabo Giocondo Dias e do sargento Quintino Clementino de Barros para transmitir informações de que a tropa estava revoltada e um levante era iminente. Apesar da discordância inicial dos dirigentes do partido, que não haviam recebido instruções do comitê do Recife, ao final da reunião, por volta das dezesseis horas, a direção curvou-se ao fato consumado, solicitando um prazo, para arregimentar seus quadros (basicamente estivadores e portuários) e fez uma única exigência: todos os civis deveriam usar fardas do exército e estar armados. Quintino e Giocondo voltaram ao quartel e a direção do partido iniciou a mobilização de seus filiados e simpatizantes, ficando estabelecido que a deflagração do levante seria naquela noite.

18h - Na Vila Cincinato, residência oficial do governador, situada à praça Pedro Velho, de frente para o atual Palácio dos Esportes Djalma Maranhão, no prédio hoje ocupado por repartição da Secretaria da Educação, o governador Rafael Fernandes, após o jantar, acompanhado do secretário geral Aldo Fernandes e do ajudante de ordens capitão José Bezerra de Andrade, dirige-se ao Teatro Carlos Gomes para presidir a solenidade de colação de grau e a seguir, assistir à encenação pelos alunos da peça "A Vitória da Cruz". Um dos formando com idade de 14 anos era Geraldo Ramos dos Santos, tradicional empresário do ramo automotivo, que hoje aos 84 anos, guarda uma viva memória do episodio e dos fatos ocorridos nos dias que se seguiram. No recinto encontravam-se além das mais altas autoridades como o Prefeito de Natal, Gentil Ferreira de Souza e diretores de departamentos da administração estadual, todo o "grand monde" natalense.

18h30m - Joaquim Inácio Torres, "Seu Torres", farmacêutico e professor do Ateneu, figura folclórica da cidade, residindo na avenida Rio Branco, próximo ao quartel, após o jantar senta em cadeira na calçada, para fumar seu charuto.
Cascudo em O Tempo e Eu, 1967, conta o episódio: passou um cabo do exército e vendo aquela tranqüilidade, segredou-lhe:
- Seu Torres é melhor o senhor entrar. Vai começar uma revolução no quartel e deve haver tiroteio. - Revolução, é? Está certo, obrigado. Não perguntou que revolução era, nem para que e meteu-se na sala. Meia hora depois, como nada ocorresse, levou a cadeira para fora e continuou fumando. Passou um soldado correndo e Torres gritou:
- Como é? Essa revolução vem ou não vem? Comecem logo, que coisa mais demorada! - Vai rebentar logo, seu Torres, mas não se arrisque, entre ... e saiu convencido que o velho professor do Ateneu estava inteiramente sabedor da conspiração".

19h30m - Dando seqüência aos preparativos que vinham sendo feitos desde o final da tarde, o cabo Giocondo Dias e o soldado Raimundo Tarol deram voz de prisão ao sargento - chefe da guarda e ao oficial de dia. Ao mesmo tempo, comandados pelos Sargentos Quintino Clementino de Barros e Eliziel Diniz Henrique, os praças comprometidos com o levante ocupam as posições estratégicas do quartel, soltam os soldados presos no xadrez e aliciam os indecisos. Ao toque de recolher que ecoou no centro da cidade, acorreram oficiais e praças que residiam ou se encontravam nas imediações. Os praças receberam comunicação que o quartel estava de prontidão; os oficiais, instados a aderir, negaram-se e recusaram assumir o comando oferecido. Em vista disso, assumiu o comando militar formal do movimento, o sargento Quintino Clementino de Barros que alem de senso de organização, demonstrou equilíbrio nos dias que se sucederam, evitando ou condenando violências e arbitrariedades. Fez recolher, presos no cassino, os poucos oficiais que atenderam ao toque, em número de sete, sendo um capitão e seis tenentes. Vale ressaltar que havia dezoito oficiais no contingente do batalhão, tendo a maioria se refugiado em residências de amigos e parentes ou no interior do estado.
Assumido o controle da unidade, os insurrectos efetuaram sucessivos disparos para o alto, sinal combinado como aviso para os civis que se achavam comprometidos, aos quais foram distribuídos fardamento militar, armas e munições. Curiosamente, os tiros disparados serviram também de alerta às autoridades e à principal força militar legalista, a Polícia Militar, de vez que seu QG no prédio hoje ocupado pala Casa do Estudante, esta a pouco mais de um quilômetro do 21BC. Por outro lado, apenas três quarteirões separavam o local da rebelião do teatro, onde se encontravam as principais autoridades.
Encontrando-se no Grande Ponto, o chefe de polícia (equivalente hoje às funções de Secretário da Segurança Pública), ouvindo os tiros e identificando a origem, mas sem a menor idéia de seu real significado, dirigiu-se ao quartel da PM onde sugeriu ao oficial de dia Capitão Joaquim Teixeira de Moura, que entrasse de prontidão e convocasse seu contingente, fazendo o mesmo na Inspetoria de Polícia Civil, localizada na atual sede do ITEP, na avenida Duque de Caxias. Daí, foi ao teatro onde conferenciou com o governador e voltou ao centro da cidade para averiguações.
No teatro, os primeiros tiros foram ouvidos em meio à solenidade, provocando natural alvoroço e a retirada de oficiais da marinha mexicana e dos comandantes militares Otaviano Pinto Soares, do 21BC e major Luiz Júlio, da PM e de parte da platéia. Reiniciada a cerimônia, com a intensificação do tiroteio, aumentou o pânico e efetuou-se a dispersão dos assistentes, inclusive das autoridades. O governador, acompanhado do secretário geral e do ajudante de ordens, dirigiu-se à Inspetoria de Polícia e como os tiros já estivessem sendo disparados na praça Augusto Severo, optaram por solicitar abrigo na residência do comerciante Xavier de Miranda, na avenida Duque de Caxias, onde passaram a noite e aguardaram contatos com informações mais precisas. No mesmo momento, o prefeito Gentil Ferreira, o presidente da Assembléia Legislativa, monsenhor João da Mata Paiva, o chefe de gabinete do governador, bacharel Paulo Pinheiro de Viveiros e o diretor do jornal oficial A República, bacharel e jornalista Edgar Barbosa, refugiaram-se na residência do comerciante Amador Lamas, irmão do cônsul honorário do Chile, comerciante Carlos Lamas, também na Ribeira.
Enquanto isso acorrem ao 21BC algumas dezenas de operários, principalmente estivadores e sapateiros e antigos guardas civis que ao chegar recebem fardamento do exército, armas e munição. Com o controle total do quartel e seu contingente acrescido de grande número de civis, os rebeldes trataram de dominar a capital, sendo formadas diversas patrulhas com a finalidade de ocupar os pontos estratégicos: o palácio do governo, a residência do governador, o Banco do Brasil, a sede da polícia civil, a Companhia Força e Luz (eletricidade), o telégrafo, a companhia telefônica, o cais do porto e a estação ferroviária. A seguir, foram formados dois destacamentos, sendo o primeiro para assumir o controle da Casa de Detenção (onde hoje fica o Centro de Turismo), o que foi feito sem nenhuma resistência, tendo a guarda se retirado pelos fundos, através das dunas situadas na área da atual rua do Motor; o segundo dirigiu-se ao Esquadrão de Cavalaria onde após breve tiroteio durante a noite, seus defensores comandados pelo tenente Severino Raul Gadelha e em desvantagem, retiraram-se através das dunas (o esquadrão estava localizado no terreno onde foi edificada a Escola Doméstica). Na breve luta na Casa de Detenção, ocorreu a primeira morte da insurreição: um preso de justiça José Pedro Celestino, que antes de ser libertado, foi baleado pela guarda do presídio.

20 h - João Medeiros Filho, após tomar as primeiras providências na Ribeira, dirigi-se ao Grande Ponto no automóvel particular do comerciante Daniel Serquiz e em companhia do fotógrafo José Seabra, com a finalidade de colher maiores informações acerca do movimento. Mesmo sabendo que o mesmo tinha origem no 21 BC, de ter encontrado uma patrulha do exército guardando a sede do Banco do Brasil e seu automóvel oficial ter sido alvejado por tiros na Duque de Caxias, ao encontrar o sargento Amaro Pereira que comandava uma patrulha na rua João Pessoa, inadvertidamente aceita o convite para dirigir-se ao 21BC, onde um oficial lhe daria informações mais precisas. Ao transpor o portão do quartel é imediatamente preso e recolhido ao xadrez onde permaneceu até a madrugada do dia 27, privando a cidade e o estado de sua principal autoridade policial, elemento importante para a coordenação de sua defesa. Nessa mesma hora, o cabo Giocondo Dias, ao descer a avenida Rio Branco no comando de uma patrulha, trava tiroteio com policiais militares, é baleado superficialmente na cabeça sendo internado no Hospital Miguel Couto (atual Onofre Lopes), onde permanece também até o final. Um anti-clímax para dois atores que estavam fadados a ser os personagens principais.

20h 30m - O major Luiz Júlio, comandante da Polícia Militar, que havia recebido telefonema do oficial de dia, capitão Joaquim Teixeira de Moura, informando que o quartel estava sendo atacado e tendo se dirigido à residência do governador, aí encontrou-se com o tenente-coronel José Otaviano Pinto Soares que há duas semanas era o novo comandante do 21 BC. A pé, ambos dirigiram-se ao quartel da PM, nesse momento sendo atacado por pequena força, conseguindo o intento de penetrar e comandar a organização da defesa. Nesse ínterim, atraídos pelos tiros, comunicados por telefone ou convocados pelo toque de reunir, dezenas de sargentos e praças conseguiram chegar antes que o cerco fechasse.

4.5.21h - Estabelecido o controle da cidade, foi possível aos rebelados direcionar para o ataque ao quartel da Polícia Militar o grosso de suas tropas, tanto militares, como civis que haviam aderido. A partir desse momento e até o início da tarde do domingo, dia 24, o quartel resistiu ao cerco, com sessenta e oito defensores, sendo cinco oficiais, vinte e quatro sargentos, trinta e quatro soldados e cinco civis. Além do comandante e do oficial de dia já citados, os únicos oficiais que acorreram ao quartel foram os tenentes Francisco Bilac de Faria, José Paulino de Medeiros, o Zuza Paulino e Pedro Sílvio de Morais. Dentre os sargentos, inúmeros chegaram ao posto de coronel e se destacaram na história da corporação, como Celso Carlos Pinheiro, Sebastião Revorêdo, Bento Manuel de Medeiros e Júlio César Pinheiro. Entre os civis, os servidores públicos estaduais João Batista de Andrade, Lucrécio Pegado Cortez e Damasceno Bezerra. Para a luta, o batalhão contava apenas com quatro metralhadoras, trezentos fuzis, cinqüenta e dois revólveres e cerca de trinta mil balas. A força atacante era superior em número, com o triplo de combatentes, armas modernas e cerca de cento e trinta mil cartuchos, com os quais manteve o cerco ao quartel e combateu entrincheirada em situação favorável, mais elevada, na esplanada que corresponde à atual praça João Tibúrcio, durante toda noite do sábado, 24. Nessa noite, quem pode saiu da cidade, quem ficou, não dormiu com o barulho.

5 - 24 DE NOVEMBRO DE 1935, DOMINGO

8h - Com a cidade sob controle, restando apenas o quartel da PM resistindo, o comitê regional do PCB reúne-se com o comando militar e o assessor Santa, para definir as medidas administrativas e a estratégia militar, na residência de um ferroviário membro do partido, nas Rocas.
Com a recusa de diversos oficiais convidados para assumir o comando militar do movimento, essa posição foi entregue ao sargento musico Quintino Clementino de Barros, norte-riograndense de Serra Negra, membro do PCB e líder natural entre seus pares. Em seguida, foi escolhido o Governo Popular Revolucionário, constituído por Lauro Lago, servidor da polícia civil, secretário do Interior; José Macêdo, tesoureiro dos Correios, secretário de Finanças; João Batista Galvão, servidor do Ateneu Norteriograndense, secretário da Viação; José Praxedes de Andrade, sapateiro, secretário de Abastecimento; e Quintino Clementino de Barros, secretário da Defesa. Foi oferecido a Santa o cargo de presidente, que foi recusado, permanecendo o assessor dando sempre a última palavra em todas as decisões. Todos os cinco componentes eram filiados ao Partido, sendo que dois, eram membros do comitê regional.

9h - A junta de governo toma as primeiras medidas práticas. O presidente do sindicato dos estivadores João Francisco Gregório recebe a incumbência de assumir o comando militar do cais do porto, impedindo a entrada ou saída de qualquer navio, inclusive as seis corvetas mexicanas, dois cargueiros britânicos e um brasileiro, o embarque ou desembarque de passageiros e tripulantes, e a desativação de seus rádio-telégrafos e do farol marítimo.
Durante a noite, haviam recebido asilo na esquadrilha mexicana, algumas pessoas entre as quais o médico Aberdal de Figueirêdo, o deputado Pedro Matos, o desembargador Silvino Bezerra e o capitão Leonel Bastos, comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros. O capitão havia abandonado a escola, atravessando o rio Potengi em escaleres, com dezenas de alunos e retornando até o navio mexicano. O motorista Epifânio Guilhermino, membro do Partido Comunista, recebe a tarefa de requisitar automóveis particulares e caminhões e organiza um grupo de motoristas, entre os quais Domício Fernandes, que também teve destacada atuação no movimento. Vários proprietários foram procurados e tiveram seus veículos requisitados, entre eles os comerciantes Severino Alves Bila e José dos Santos, que eram concessionários. Na mesma hora em Currais Novos, o delegado geral Enock Garcia que havia deixado a capital durante a madrugada, telegrafa a Dinarte Mariz em Caicó, relatando os acontecimentos e solicitando arregimentação de homens e armas. Dando seqüência, Dinarte telegrafa ao governador Argemiro Figueiredo, da Paraíba e acerta o envio do pedido com a máxima urgência.

10h - José Praxedes, que provavelmente por sua condição de filiado mais antigo do PCB, era tido entre os membros da Junta de Governo, como seu coordenador, reúne populares e partidários na praça do mercado, em frente ao quartel do 21 BC, para ler a proclamação do Governo Popular Revolucionário, o que fez "subindo na mureta do quartel em meio a vivas à revolução e a Prestes”.

11h - A Junta assume formalmente o governo do estado em reunião na Vila Cincinato, residência oficial do governador, editando então seu primeiro decreto, que destituía o governador Rafael Fernandes e dissolvia a Assembléia Estadual Constituinte. Distribuiu comunicado "aos camaradas em armas e ao povo em geral", apelando à manutenção da ordem, respeito às pessoas e à propriedade privada e dando garantia aos comerciantes para abertura dos estabelecimentos comerciais na segunda-feira. Em seu périplo na coleta de viaturas, ao passar pela rua General Glicério, na Ribeira (por trás da igreja do Bom Jesus) ao avistar na porta da sua residência o agente da Companhia de Navegação Costeira Otacílio Werneck, sem motivo aparente o alvejou mortalmente. Por esse crime hediondo, que seria a segunda das quatro únicas mortes violentas ocorridas em Natal em quatro dias de lutas, receberia mais tarde a maior pena aplicada aos participantes da insurreição: trinta e três anos de prisão. Continuando sua trajetória de violências, que incluiu o incêndio de um cartório e saque em um box do mercado público, ao tentar arrombar o armazém da viúva Machado, desentendeu-se com um soldado do exército que o atingiu com um tiro, levando à sua internação hospitalar e ao final de sua carreira de "revolucionário", poupando a cidade de sua sanha.

14h - Após dezessete horas de combate, não havendo mais munição, o comandante Luiz Júlio reúne seu estado - maior e decide pela retirada, evitando assim a rendição. A saída dos combatentes se dá pelos fundos do quartel, situado em um barranco voltado para o mangue na margem do Potengi, onde hoje passa a avenida do Contorno. O objetivo era tentar alcançar a Ribeira ou o Alecrim pela margem do rio ou atravessá-lo a nado. Dos oficiais, o único a conseguir esta façanha foi o tenente Bilac de Faria, exímio nadador. Bilac, que tinha relação de parentesco com o ex-governador Juvenal Lamartine e na década de 1950 seria deputado estadual, destacou-se como um dos mais aguerridos combatentes durante o cerco. Todos os demais oficiais foram presos, juntamente com grande número de praças. O tenente José Paulino de Medeiros, o Zuza Paulino, que também se destacara pela bravura no combate, no momento da fuga foi atingido por uma rajada de metralhadora no braço, foi preso e transportado para o Hospital Miguel Couto, onde depois teve o antebraço esquerdo amputado. Zuza Paulino era um dos mais exaltados partidários de Mário Câmara na polícia militar e estava sofrendo pressões do novo governo por suas posições políticas. Sua atitude legalista, reforça o entendimento de que apesar do elevado número de "maristas" que aderiram ao levante (inclusive na PM), essa não foi uma posição oficial da Aliança Social, nem do ex-interventor ou de Café Filho. O major Luiz Júlio e o comandante do 21BC, tenente coronel Otaviano Pinto Soares seguiram pelo mangue, na tentativa de abrigar-se na Escola de Aprendizes Marinheiros, que não sabiam já estar ocupada pelos revoltosos desde a noite anterior. No trajeto, foram presos por uma patrulha e recolhidos ao xadrez do 21BC. No decorrer da luta apenas cinco combatentes sofreram ferimentos, todos de natureza leve, sendo um deles o futuro coronel Celso Pinheiro. Apenas uma morte (a terceira das quatro ocorridas em Natal durante todo o levante, de acordo com a documentação existente) foi registrada no longo combate pela posse do quartel da PM: do cidadão Luiz Gonzaga. Esse fato ocasionou uma polêmica que setenta anos depois não ficou completamente esclarecida. Luiz Gonzaga realmente participou dos combates dentro do quartel desde a primeira hora, tendo demonstrado muita coragem e afoiteza, sendo essa a causa de sua morte, pois no momento da retirada retardou a fuga, sendo alvejado pelo motorista Sizenando Filgueira, membro do PCB e dos mais ativos participantes do levante. A polêmica situa-se no fato de que, até o mês de janeiro de 1936, nem o detalhado relato do órgão oficial A República, nem os diversos relatórios oficiais, tampouco nos autos dos processos e nos julgamentos dos indiciados, há citação da morte e da condição de soldado da polícia militar de Luis Gonzaga. A ausência de divulgação da morte, que realmente ocorreu, levou alguns historiadores a aventurar a hipótese de que, o fato de não ter sido registrada, significaria que era um popular desconhecido, cujo alistamento realizou-
5.3.se post - mortem. Caso tenha sido na época a tentativa de criar um herói, resultou desnecessária, pois heróica foi a luta coletiva dos sessenta e oito defensores. Sete décadas depois, a polêmica persiste.

15h - Dominado o quartel da PM e controlada totalmente a capital, com todos os efetivos armados disponíveis e contando com um número razoável de viaturas, a junta de governo deu seqüência ao seu segundo objetivo militar: a ocupação e instauração de governos locais provisórios nas principais cidades do interior do estado.
Foram organizados três destacamentos, constituídos de militares e civis armados, que seguiram o roteiro das estradas que levam ao litoral sul e agreste, ao litoral norte e mato grande e ao trairi e seridó.

18h - Após entendimentos intermediados por Aurino Suassuna, genro do cônsul honorário do Chile, Guilherme Lettiére, o governador Rafael Fernandes, o secretário-geral Aldo Fernandes e o ajudante de ordens capitão José Bezerra de Andrade se transferem para a residência do cônsul, situada em rua próxima. A família do governador, que até então residia no Rio de Janeiro, havia partido no dia 21, de navio, tendo desembarcado em Salvador no dia 24, a convite do governador Juraci Magalhães, que a hospedou até o final do levante.

6. 25 DE NOVEMBRO DE 1935, SEGUNDA-FEIRA

Na madrugada do dia 25, segunda, partem para o interior as primeiras tropas de ocupação. O destacamento sul, comandado pelo tenente da PM Oscar Mateus Rangel (o comandante da patrulha envolvida na morte de Otávio Lamartine) que havia sido libertado na véspera, da prisão no quartel da PM, ocupou os municípios de São José de Mipibu, Arez, Goianinha, Canguaretama e Pedro Velho, substituindo os respectivos prefeitos e delegados. O destacamento norte, comandado pelo estudante Benilde Dantas, membro do PCB, repete os mesmos procedimentos nas cidades de Ceará - Mirim e Baixa Verde. O destacamento centro que se destinava ao eixo trairi-seridó seguiu para Panelas (atual Bom Jesus), sob o comando do sargento do exército Oscar Wanderley, assumiu o controle da cidade e em seguida de Serra Caiada. Nesse momento, enfrenta uma coluna formada por civis do seridó, que foi organizada sob a liderança de Dinarte Mariz e tinha a participação de alguns policiais militares, entre eles o capitão Severino Elias. Os legalistas, inferiorizados, batem em retirada até a serra do Doutor, onde aguardariam os rebeldes para aquela que seria a última batalha, no dia 26. De Serra Caiada o destacamento dirigiu-se no dia seguinte a Santa Cruz, onde recebeu o apoio de parte da população, principalmente de partidários locais da Aliança Social, determinou a substituição do prefeito e do delegado e providenciou o reabastecimento necessário para prosseguir até o seridó. Nesse momento, os rebeldes controlavam dezessete dos quarenta e um municípios, correspondendo à terça-parte da área geográfica do estado.

6.1.8h - Apesar do apelo da junta na véspera, compreensivelmente o comércio não abriu suas portas na segunda-feira. Foram expedidas requisições assinadas por Praxedes, para o fornecimento de víveres, que seriam distribuídos à população. Seja por que não foram encontrados os proprietários ou por decisão arbitrária, foram arrombados e saqueados diversos estabelecimentos comerciais, entre eles o armazém da viúva Machado, o maior e mais tradicional empório de alimentos da cidade. Aproveitadores de ocasião associaram-se a revoltosos inescrupulosos e arrombaram e saquearam outros estabelecimentos que comercializavam produtos diversos, como tecidos (Loja Paulista), utilidades (Armazém Elias Lamas), cigarros (Souza Cruz) e jóias (Joalheria Progresso). Apesar da falta de planejamento e de estrutura, a junta conseguiu distribuir à população, na vila Cincinato, grande quantidade de alimentos e de tecidos. Essa medida, até certo ponto ingênua (ou demagógica) repete outras que foram tomadas, como a promulgação de decreto que instituiu a reforma agrária e confiscou as terras de latifúndio (sem no entanto, regulamentar) e a redução de quarenta porcento no preços das passagens de bondes.

Necessitando recursos para o custeio do levante, a junta recorreu às reservas do Banco do Brasil, do Banco do Rio Grande do Norte e da Recebedoria de Rendas, que na segunda-feira continuaram fechadas e com seus administradores foragidos. As sedes foram arrombadas, assim como seus cofres, esses com a utilização de maçaricos. Do Banco do Brasil foi retirada à quantia de dois mil e novecentos contos de réis e da recebedoria, cerca de duzentos contos de réis que somados as quantias menores requisitadas de algumas coletorias no interior, totalizam aproximadamente três mil e duzentos contos de réis (um conto de reis equivalia a um milhão de réis). Para uma referência a este valor, uma passagem de bonde custava cinqüenta réis.

Ainda na manhã da segunda-feira, uma patrulha foi enviada à praia da Redinha, principal local de veraneio, onde muitas famílias haviam se refugiado na véspera. O objetivo principal era a eventual prisão de autoridades (ou simplesmente adversários) e a busca de armas. Ao chegar à residência de Arnaldo Lira, tendo o mesmo ironizado a busca e manifestado sua condição de integralista, foi preso e recolhido à Vila Cincinato. Ao chegar, reage à tentativa de um soldado de tomar-lhe o relógio e na briga e atingido com um golpe de sabre no abdome. Removido para o Hospital Miguel Couto gravemente ferido, veio a falecer após o final do levante. Seria a quarta e última vitima de morte violenta comprovadamente ocorrida durante o levante, em Natal.

07 - 26 DE NOVEMBRO DE 1935, TERÇA-FEIRA

O dia começou tranqüilo em Natal: os revoltosos dominavam a cidade e os combates estavam ocorrendo no interior, com suas forças controlando um perímetro cujos pontos mais remotos distavam mais de cem quilômetros: Canguaretama, Baixa Verde e Santa Cruz.
7.1.A junta iniciou então a batalha da comunicação. Determinou a impressão de milhares de folhetos que continham uma proclamação e informavam as principais medidas tomadas e de maneira ufanista, a marcha da insurreição pelo país. Um avião da companhia aérea Condor foi requisitado e sobrevoou a cidade, lançando os panfletos. Nesse dia também, foi composta e impressa nas oficinas gráficas de A República, órgão oficial do estado, a única edição do jornal oficial da revolução, A Liberdade. Dessa missão foi encarregado Raimundo Reginaldo da Rocha, mossoroense, do comitê regional do PCB, que teve a colaboração de Horácio Valadares, jornalista e membro do secretariado nacional que encontrava-se no estado em missão partidária, acompanhando as lutas camponesas da região oeste. Tão logo eclodiu o levante, ambos deslocaram-se para Natal e tiveram participação discreta, mas importante. Acompanhados de Francisco Meneleu, gráfico do jornal cafeísta, assumem o controle das oficinas, convocam seus gráficos e determinam aos redatores do jornal o poeta Otoniel Menezes e o provisionado Gastão Correia, a editoração das matérias, a maior parte previamente redigidas por Valadares. Com apenas quatro páginas e datado de 27 de novembro, os mil exemplares do jornal tiveram sua impressão concluída na noite de 26. (VIDE NOTA DE LAÉLIO FERREIRA, AO FINAL)No momento em que deveriam ser distribuídos, na manhã da quarta, foram todos apreendidos. No final da manhã da Terça, 26, chega ao comando rebelde a primeira má notícia: o fracasso do levante do 29 BC, do Recife, iniciado no domingo e subjugado na noite da segunda, com a prisão de seus principais líderes, o capitão Otacílio Lima e o tenente Silo Meireles, prestistas e comunistas. Na tarde do dia 26, rearticulados em Santa Cruz e após receber reforços de Natal, os revoltosos tomam a direção do seridó, tentando alcançar Currais Novos. A essa altura a força legalista, coordenada por comerciantes e fazendeiros liderados por Dinarte Mariz e acrescidos de integralistas de Acari e policiais paraibanos, reagrupa-se na Serra do Doutor, entre Santa Cruz e Currais Novos. Enquanto isso, chegam ao conhecimento do comando militar notícias de que após a rendição do 29 BC, tropas do 20 BC de Maceió e do 22 BC de João Pessoa se dirigiam rapidamente para Natal (há boatos, não confirmados, de bombardeio aéreo). Aguçam-se as divergências entre os chefes civis e militares: os voluntaristas defendendo a resistência, os realistas a favor da retirada. Os militares, com uma avaliação mais precisa, estão convencidos da derrota. Giocondo Dias sai do hospital e começa a articular uma saída. Em nome de um grupo de cabos e sargentos e com a aquiescência de Quintino, tenta negociar com a Junta a transferência dos presos civis e militares para a esquadrilha mexicana. Essa atitude teria dupla finalidade; retardar a articulação de uma possível perseguição nas primeiras horas da retirada e preservar a integridade dos prisioneiros de forma a garantir a atenuação de penas em um futuro julgamento. À revelia da Junta e sem seu conhecimento, o sargento Amaro Pereira vai à corveta capitânia em nome dos militares e recebe de seu comandante a garantia do asilo.
No meio da tarde as tropas rebeldes iniciam a marcha para Currais Novos, sem conhecimento da real magnitude da reação que irão enfrentar. Em uma das curvas da estrada, na subida da serra, defrontam-se com uma barreira de pedras fechando-lhes a passagem. Inferiorizadas pela surpresa e pela posição do inimigo, bem entrincheirado, resistem algumas horas. Ao escurecer, batem em retirada desordenadamente, deixando em campo três mortos e muitos feridos. Às dezenove horas estava encerrado o último combate.
7.2.Tarde da noite, em Natal, Quintino recebe um telegrama do comando da Sétima Região Militar no Recife, comunicando o controle da situação em todo o nordeste e conclamando os rebeldes à rendição. Ao mesmo tempo, começam a chegar as primeiras notícias da derrota na serra. À meia - noite, Giocondo, o sargento Amaro e o cabo Adalberto Cunha, com forte escolta e em três caminhões, realizam a transferência dos presos para os navios. À uma hora da quarta, 27, Santa vai ao 21 BC para fazer uma avaliação e constata, surpreso, que o quartel encontra-se deserto. Quintino, rendido às circunstâncias, determinara a retirada e a dispersão dos remanescentes, liberando-os para a decisão pessoal: fugir ou entregar-se às autoridades militares. Na Vila Cincinato, constatada a derrota, os membros civis da Junta e as lideranças do partido iniciam as providências para a fuga. Destroem os documentos mais importantes e distribuem o dinheiro entre todos os participantes que aí se encontravam. Despedem-se e cada um toma seu destino. Os primeiros a sair, às duas horas, foram Lauro Lago, José Macedo e João Batista Galvão que juntos, em um automóvel dirigido por motorista, rumaram para Canguaretama. Às quatro horas, em outro automóvel, Santa, sua companheira e um auxiliar, saem em direção à Paraíba por estradas secundárias. Na mesma hora, Praxedes, a pé a partir da ponte de Igapó, dirige-se a Pajuçara, entre a Redinha e Genipabu. Às cinco horas, Quintino e o sargento Eliziel Diniz Henriques, que era de fato o segundo homem no comando militar, seguiram também de automóvel para Baixa Verde.
Antes do nascer do sol, Natal estava abandonada pelo revolucionários. Foram necessárias algumas horas para que se restabelecesse a autoridade legal. Chegava ao final a tentativa de implantar um governo popular ou a aventura de sobrepor-se às massas através do golpe militar.

08 - EPÍLOGO E REVANCHE

Na manhã de 27, quarta-feira, aos poucos a cidade se deu conta de que sua vida havia voltado à normalidade. Através de funcionários de escalões inferiores que continuavam em circulação, de cidadãos de fora do governo, mas a ele ligados, dos anfitriões do governador e do prefeito e dos militares mexicanos, o mundo oficial teve a certeza do abandono da capital pelas forças revoltosas. As forças policiais militar e civil ocuparam os pontos estratégicos, restabeleceram as comunicações telefônicas e telegráficas iniciaram a prisão dos que se renderam e a busca dos foragidos. Ao meio-dia, após a chegada das tropas da Polícia Militar da Paraíba e do 22 BC de João Pessoa, o governador Rafael Fernandes reassumiu formalmente o governo.
Enquanto o comando revoltoso em Natal desativava seu dispositivo, na mesma hora, no Rio de Janeiro, tinha início o levante do 3º Regimento de Infantaria na praia Vermelha, na Urca, sob comando do capitão Agildo Barata Ribeiro, tenentista e membro do Partido Comunista. Iniciado na madrugada do dia 27, foi prontamente reprimido, tendo o quartel se rendido após oferecer resistência e ser bombardeado, às catorze horas. Os líderes da revolta de Natal somente vieram tomar conhecimento desse levante, na prisão.
Iniciou-se então uma fase de intensa repressão, à qual não faltaram os ingredientes da falsa denúncia de adversários inocentes e a tortura de presos. Aproveitando-se da ocasião, partidários do governo e autoridades policiais incriminaram, prenderam e indiciaram centenas de adversários, apenas pela condição de correligionários ou amigos de Café Filho e de Mário Câmara. Os presos civis de maior participação no levante como Lauro Lago, João Batista Galvão, José Macêdo, Epifânio Guilhermino e Sizenando Figueira, foram barbaramente espancados. O próprio chefe da polícia reconhece em seu livro: "houve sim interrogatórios ásperos, inflexíveis, como era natural; de pressões físicas, tive notícias, é verdade".
8.1.Para que se tenha uma idéia do denuncismo da época, nos processos do Rio Grande do Norte foram indiciados 1.039 cidadãos (695 de Natal e 344 do interior), dos quais apenas 154 (15%) foram condenados. Dos indiciados, três eram deputados da oposição, todos inocentados. Vinte e três oficiais da PM foram indiciados, a grande maioria apenas por ter servido ao governo Mário Câmara. Apenas cinco foram condenados (entre eles, Mário Cabral de Lima, Moisés da Costa Pereira e Oscar Mateus Rangel, que tiveram atuação destacada). O tenente Augusto Leopoldo da Câmara Sobrinho foi indiciado (e absolvido) apenas por ser primo-irmão do ex-intenventon. São exemplos de indiciados que não tiveram participação alguma os juizes João Maria Furtado e Fábio Mâximo Pacheco Dantas (futuros desembargadores), o médico Ezequiel Fonseca, futuro deputado estadual e o usineiro Luis Lopes Varela, todos correligionários de Café Filho, todos absolvidos.
Juntamente com as prisões, a polícia iniciou as diligências para a apreensão do dinheiro retirado do Banco do Brasil, da Recebedoria de Rendas e de Coletorias do interior do estado. De um total de três mil e trezentos contos de reis, foram apreendidos com presos, com familiares dos revoltosos e em repartições públicas, novecentos e vinte dois contos de reis, o que corresponde a cerca de trinta por cento do que foi confiscado. A controvérsia que cerca o destino da diferença de pelo menos dois mil contos de reis (uma fortuna na época), permanece setenta anos depois. Sabe-se que parte razoável dessa quantia não foi apreendida pois ficou com pessoas que nunca foram presas (ou porque evadiram-se ou nunca foram considerados suspeitos). Outra parte ficou com familiares que escaparam da busca. A maior quantia provavelmente foi apropriada por agentes do poder público encarregados das diligências. Na época, pessoas que tiveram uma repentina elevação do padrão de vida ou do patrimônio pessoal, foram rotuladas como ”achadores de dinheiro”.
O Tribunal de Segurança Nacional, órgão de exceção criado pelo Estado Novo, somente começou a funcionar no final de 1937, sendo que a maioria dos principais envolvidos, que ainda se encontravam presos, foram julgados em 1938, quase três após. Vejamos o destino das principais personagens da insurreição. Lauro Lago, José Macedo e João Batista Galvão passam a quarta-feira abrigados na residência de um correligionário em Canguaretama e à noite penetram na mata da Estrela, na expectativa de embarcar, com a ajuda de estivadores, nas barcaças que faziam o transporte de sal de Barra de Cunhaú. No dia seguinte, foram presos pelo delegado local, com a ajuda da policia paraibana, provavelmente denunciados por correligionários. Lago e Macedo após alguns meses na Casa de Detenção foram transferidos juntamente com dezenas de presos do nordestino para o presídio político da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, onde foram companheiros de Graciliano Ramos e personagens do livro Memórias do Cárcere. Galvão, estando doente e usando o prestigio familiar, conseguiu permanecer preso em natal. Aproveitando-se de uma liberdade provisória de três dias, escondeu-se na fazenda de um primo na Paraíba, onde permaneceu escondido alguns meses, daí seguindo para o Amazonas onde ficou até a redemocratização e anistia, em 1945.
Quintino Clementino de Barros e Eliziel Diniz Henriques, de Baixa Verde seguiram para Pedra Preta onde foram presos poucos dias depois. Giocondo Dias, dirigiu-se para o município de Lages, onde permaneceu refugiado na fazenda de um amigo, Paulo Teixeira, durante cinco meses. Em abril de 1936, devido a uma desavença de caráter pessoal, foi esfaqueado por seu anfitrião, sendo preso e novamente internado no Hospital Miguel Couto e depois transferido para o presídio militar no Rio.
José Praxedes de Andrade e João Lopes, o Santa, tiveram uma trajetória digna de ficção. Às quatro horas da madrugada, do dia 27, Praxedes caminhou solitariamente de Igapó até a localidade de Pajuçara, na época uma área de pequenos sítios, alguns de propriedade de sua família e recebeu abrigo de um primo. Durante seis meses, até maio de 1936, viveu em um barraco de madeira no meio de uma mata. Nessa época veio a Natal um enviado do PCB que conseguiu localizá-lo e transmitir um endereço no Recife para contato. Com o dinheiro que tinha guardado, iniciou viagem a pé, durante a noite, até poucos quilômetros após Nova cruz, onde tomou um trem clandestinamente até João Pessoa e daí de ônibus para Recife e depois Salvador. Na Bahia adquiriu nova identidade, com a qual viveu quarenta e nove anos incógnito, até 1984, quando foi descoberto pelo jornalista paulista Moacyr de Oliveira Filho. Em novembro de 1984 grava longa entrevista que Oliveira transformaria em livro. Sofrendo de grave enfermidade crônica, vem a falecer em 11 de dezembro de 1984.
Santa viajou de automóvel por estradas secundárias até chegar ao território paraibano e a partir daí, a pé até Pernambuco, durante doze dias. Em Recife faz contato com o partido e chega ao Rio de Janeiro. Com a prisão de Prestes e de Miranda em 1936, a policia carioca apreende seu detalhado relatório sobre a insurreição de Natal, que é anexado ao inquérito. Da mesma forma que em Natal, onde apenas Praxedes conhecia sua identidade o que tornou impossível uma delação, no inquérito do Rio não foi possível identificá-lo. Inexplicavelmente, mesmo depois da anistia e da legalização do PCB, a identidade de Santa continuou desconhecida de historiadores e jornalistas até 1984. Sem identificação, uma dos mais importantes figuras do levante sequer foi indiciado. Os outros chefes, foram.
8.3.Epifânio Guilhermino com a soma das penas, que incluiu o assassinato de Otacílio Werneck, foi condenado a trinta e três anos de prisão, sendo a maior pena entre todos os envolvidos. Lago, Macedo, Galvão, Quintino e Eliziel foram condenados a dez anos. Giocondo e Praxedes, a oito anos. Raimundo Reginaldo, a 3 anos.
Todos, com exceção de Galvão e Praxedes cumpriram suas penas e foram libertados com a anistia política em 1945.

8.4.09 - CONCLUSÕES

A insurreição militar e comunista de 1935 em Natal, ocorreu dentro de um contexto nacional no qual se destacavam a insatisfação popular com os rumos do governo Vargas, a crise econômica, a desilusão com as prometidas reformas políticas e a preocupação dos setores progressistas com o crescimento do integralismo. O Partido Comunista do Brasil vivia uma fase ufanista, na qual superestimava a mobilização popular da Aliança Nacional Libertadora, como se fosse exclusiva do partido. Prestes, isolado na clandestinidade, há oito anos afastado do país, acreditava nos relatórios fantasiosos de Miranda, o despreparado secretário-geral do PCB e julgava que o extraordinário prestígio que detinha no meio militar e no povo brasileiro, se traduziria em apoio incondicional à revolução socialista. Os "tenentes" elementos progressistas do exército, descontentes com os caminhos tomados pela revolução de 30 e com o fechamento da ANL, sem perspectiva de ação política e sabendo não haver condições objetivas para uma revolução de cunho popular, passam a articular um golpe, dentro da tradição militar desde a proclamação da república. Encontrando ambiente propício, apesar das resistências iniciais, levam seu guia e chefe militar, o PCB e a Internacional Comunista a embarcar na aventura.
Em Natal, as condições locais contribuíram para amplificar a motivação. Os militares de baixa patente, muitos já excluídos, outros ameaçados, com uma atuante célula comunista no quartel, há muito se encontravam aliciados por tenentes de outras guarnições. A demissão coletiva foi o estopim que detonou o levante antes da hora. Curiosamente foi também a razão do sucesso inicial. A surpresa somada à incompetência do aparelho de segurança, contribuíram para que os militares tivessem razoável apoio popular. O radicalismo das lutas partidárias recentes, as demissões e perseguições do novo governo, criaram o ambiente propício para a adesão dos que se encontravam "de baixo". Finalmente os comunistas, apesar da oposição inicial e ignorando todas as avaliações anteriores, não resistem ao "glamour" de protagonizar a “sua” aventura. "
Nota: O autor, discorrendo sobre o jornal "A Liberdade", engana-se redondamente: Raimundo Reginaldo da Rocha e Horácio Valadares, este dado como "jornalista", sequer estavam em Natal, na ocasião. Ninguém "determinou" nada a Othoniel Menezes e a Gastão Correia. Othoniel era o "dono da casa", Secretário do órgão oficial do Governo, "A República" e , com o auxílio de Gastão Correia, escreveu, com muito gosto e agrado, de "cabo a rabo" a folha revolucionária - embora tenha, por orientação do advogado Djalma Aranha Marinho (seu ex-aluno de francês, em Nova Cruz) negado o fato em juízo. Meneleu era um rapazola, gráfico do jornal católico "A Ordem", arrebanhado à força para a composição do jornal.
Laélio Ferreira