segunda-feira, 5 de março de 2007

O POETA E O AVIADOR...




Homenagem a Othoniel Menezes
Paulo Augusto
Radar Potiguar, Encartes, Jornal de Natal, 05.03.07

Para reverenciar a memória do "Príncipe dos Poetas Norte-rio-grandenses", título que lhe foi conferido por seus pares, o natalense Othoniel Menezes de Melo (1895-1969), autor da canção oficial da Cidade do Natal, "Serenata do Pescador – Praieira", um grupo mais do que plural de poetas, cordelistas, repentistas, seresteiros, escritores e admiradores da sua obra estará se reunindo na próxima sexta-feira, dia 09 (Othoniel nasceu dia 10/03), na Fundação Cícera Queiroz (rua das Laranjeiras, nº 16, na Cidade Alta, atrás do convento de Santo Antônio), numa festiva tertúlia, com início a partir das 19h.
O evento, que também homenageia o irmão de Othoniel, o primeiro aviador do RN, o sargento do Exército, João Menezes, antecede as comemorações do Dia Nacional da Poesia, que transcorre dia 14, quarta-feira da próxima semana.
A festa, que se realiza em sua terceira edição, é uma promoção da Fundação Cícera Queiroz em parceria com o Clube de Letras e Artes Potiguares (CLAP), contando com a chancela do escritor e poeta Laélio Ferreira de Melo, analista financeiro aposentado do Tribunal de Contas da União, o caçula dos seis filhos do Príncipe dos Poetas. Ao abrigar o evento, o coordenador geral da Fundação Cícera Queiroz, Leôncio Queiroz, explica que naquele endereço, onde a FCQ funciona, nasceram e foram criados o poeta e seus irmãos.
Na ocasião, os presentes serão agraciados com variado espetáculo, constando de apresentações de poemas dedicados ao poeta, exibição de cordéis e trovas tendo como tema central a poética desenvolvida por Othoniel, culminando com a apresentação da "Serenata do Pescador – Praieira", na voz do seresteiro Fernando Towar, figura exponencial da música popular potiguar contemporânea.
Farão parte das apresentações os poetas Paulo Varela, Bob Motta, e diversos cordelistas que atuam no Estado, entre outros, Abaeté, Abel Brasil, João Batista-Campos de Farias, Braga Santos e outros. Participação especial será feita pelos poetas e escritores que compõem a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte (SPVA). Conta-se, ainda, a representação do CD "Serenata do Pescador - Praieira" de Leide Câmara, lançado em 2003. Uma homenagem especial será feita à poetisa Leda Maciel, que completa data especial em sua produção poética.
A primeira edição do evento foi realizada em 2004 em comemoração aos 80 anos de criação de "Praieira". Conta Leôncio que, naquele ano, ele tinha planos de fazer uma reforma na casa onde nasceu o poeta, tendo ocorrido uma reação de personalidades culturais da cidade contra a descaracterização do prédio. Com isto, a fachada foi mantida e apenas as instalações internas passaram por modificações. Mantida a fachada original, a Fundação Cícera Queiroz achou por bem abrir o espaço para homenagear o Príncipe dos Poetas em sua data natalícia, 10 de março.
Caso estivesse vivo, o poeta e jornalista Othoniel Menezes estaria completando no próximo sábado, 112 anos. Laélio Ferreira, que informa ser o responsável pela entrega do material produzido por Othoniel aos jornais da época para que fossem publicados, regozija-se com a idéia, tendo se aliado aos promotores desde a primeira realização do evento, em companhia de seus familiares.
No evento de 2006, houve o lançamento do site www.minhahistoria.com.br/othonielmenezes, por iniciativa da Fundação Cícera Queiroz, que mantém este sítio na Rede Mundial.
A Serenata do Pescador compreende um poema que saúda os pescadores que viajaram de Natal para o Rio de Janeiro para participar das comemorações do centenário da Independência, em três barcos a vela, em 1922. A música já foi cantada por artistas locais como Marina Elali, Pedro Mendes, Babal, Valéria Oliveira, entre outros.
Laélio Ferreira providenciou, como presente, para o Radar Potiguar uma reprodução do prefácio de Câmara Cascudo à primeira edição do livro "Sertão de Espinho e Flor", obra publicada por Othoniel Menezes em 1952, publicado no Caderno de Encartes do Jornal de Natal desta segunda-feira, dia 5. O livro retrata o amor do poeta ao Seridó, região onde o poeta viveu vinte anos, no período de sua juventude, de acordo com depoimento de seu irmão, Francisco Menezes, na Academia Norte-rio-grandense de Letras. No livro, além de uma poesia tipicamente sertaneja, Othoniel oferece ainda ao leitor um importante glossário de termos e expressões regionais.

http://radarpotiguar.blogspot.com/
TEXTOS OFERECIDOS POR LAÉLIO FERREIRA AO JORNALISTA PAULO AUGUSTO:
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DO PREFÁCIO DE CÂMARA CASCUDO (PRIMEIRA EDIÇÃO DO “SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR” -1952)

“Otoniel Meneses, natalense, acompanhou o Pai ao Sertão e lá se fez rapaz. Ficou emocionalmente sertanejo. Todas as impressões subseqüentes foram impostas na primitiva chapa infantil, já cheia de imagens vivas, nítidas, secas, sugestivas, água-forte que se denuncia, olhada contra o sol, como um desenho de tinta simpática, inconfundível, atravessando a massa das anotações posteriores.
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Todo o Sertão – como o gigante das Mil e Uma Noites coube no bojo de uma garrafa de cristal – está inteiro neste livro, prisioneiro do poder poético que tudo arrebatou, árvores e vaqueiros, serras e gados, várzeas, tabuleiros, silêncios doces,frêmitos do meio-dia, tardes de contemplação, noites de estrelas vivas:

Sertão selvagem de Euclydes!
prosaicamente progrides,
mas, nada te corrompeu!
Paraíso de minha infância,
ingênuo como uma estância
de Casimiro de Abreu[1]!

Touceira de xiquexique,
cercadão de pau-a-pique,
dez léguas de tombador...
Mar de panasco dourado,
bogari, cravo encarnado
- SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR !

Mantendo o ritmo tradicional e secular do setissílabo, gênio do idioma, molde popular, na fórmula AABCCB[2], de notável formosura em sua simplicidade, o Poeta realizou o poema do Sertão vivo, em rimas naturais, rápidas, inesgotáveis, espelhando em pormenor e conjunto, psicologia, crítica social, etnografia, folclore, com o conhecimento infinito de fauna e flora, costumes, modismos, o próprio mecanismo do raciocínio; precisando, de maneira impecável e feliz, uma sucessão de frases e de imagens que fotografam, sem retoque e sem pose, o Sertão, com seus espinhos e suas flores:
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Ah! Quem me dera, o tesouro
da lira mágica, de ouro,
que Apolo[3] deu a Anfion[4]!
Desses penhascos da serra,
te ergueria, oh minha terra,
portentoso panteon!

Rente às nuvens, o idealizo:
vaqueiros, de pé, no friso,
e um juazeiro, o coruchéu
- emblema das tuas dores,
verde, entre espinhos e flores,
bebendo a chuva - no Céu!”



DO PRÓPRIO OTHONIEL, NO LIVRO CITADO, HOMENAGEANDO OS VIOLEIROS E CANTADORES – E USANDO A LINGUAGEM DOS MENESTRÉIS SERTANEJOS:

“No alpendre de Dona-Santa,
Preto-Limão cospe e canta,
Num tom de bravura e dó...
Mistral de chapéu-de-couro,
Teu verso é uma “prima”de ouro,
Na viola do Seridó!

Negro velho escopeteiro,
Louve aqui meu companheiro,
Poeta que vem mais eu!
Retruca o Homero tisnado:
- Você traz um convidado,
Que é tomém amigo meu!

- Pruquê abasta vê vindo
- Mais você! Seu moço, eu brindo
Vossa entrada no lugá,
Não tem fulôres agora,
Mas esta chorona chora
E canta, p’ra lhe sarvá...

No joazeiro verdinho,
Ta cantando um passarinho,
Outro chega, e pega o tom...
Num faz mal que eu sêje franco:
Sou moreno, o moço é branco,
- café cum leite é que é bom...

Poeta parnasiano,
Que faz um poema por ano,
E livros lê, mais de cem,
- renego o cinzel e a trena;
beijo essa fita morena
que a tua viola tem!

O hotel de Tetê fervilha.
É o casamento da filha,
Vai sair fogo do chão...
Mais tarde, fobó, de fole:
- dançar, até ficar mole,
- e pegar o sol com a mão!

Já, depois da cerimônia,
Correu cerveja Teotônia.
Afirma o Juiz-de-Paz,
“invocando” o undécimo copo:
- Com esta mermo, é que eu topo!
Mio, p’raqui, num vem mais!

- Póiado, Chico Pessoa!
A bicha é p’ra lá de boa,
Foi alemão que inventou!
E, o noivo, já meio bambo:
- Inté cura dô de istambo!
- Douto Castro arreceitou!”
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DE CLÁUDIO GALVÃO:

“O poeta Othoniel Menezes e o sertão “de Espinho e de Flor”.

Cláudio Galvão.

O longo poema “Sertão de Espinho e de Flor”, uma das obras maiores de Othoniel Menezes, teve seu processo de geração durante o período em que ele, ainda muito criança, manteve o primeiro contato com o sertão norte-rio-grandense e ali permaneceu durante sete anos.
João Felismino de Melo – seu pai, exercia, desde os 22 anos de idade, a função de funcionário do Tesouro do Estado e foi designado para chefiar a Mesa de Rendas de Jardim do Seridó que, naquela época, englobava as agências de Acari, Currais Novos, Flores (atual Florânia), Parelhas, Periquito (hoje Equador) e Espírito Santo (agora Ouro Branco).
Deslocou-se para o sertão em 1899, levando a família: a esposa, Maria Clementina Menezes de Melo e os filhos Francisco (nascido em 1892), Othoniel, nascido 10 de março de 1895, João (1896), e Gabriel (1897).
A linha ferroviária da época ia até a cidade de Nova Cruz; de lá para Jardim do Seridó a viagem era feita sobre o lombo de burros, o único meio de transporte possível àquela época. O percurso levava normalmente quatro dias, mas naquele mês de março de 1899, o bom inverno alongou o caminho, exigindo onze dias de lenta marcha.
Jardim do Seridó era uma pequena cidade tipicamente seridoense, sertão nativo e autêntico, original e diferenciado em seus usos e costumes. Era um mundo inteiramente novo para Tôni e seus irmãos. O casarão conhecido como “sobrado grande do padre Justino”, hoje restaurado e tombado pelo Patrimônio Estadual, tinha, no andar térreo, a Mesa de Rendas e a Delegacia de Polícia; a família residia no andar superior.
Chegaram à cidade a 15 de março de 1899 e lá iriam, em poucos meses, sofrer o impacto brutal do suicídio de dona Clementina. Tinha 27 anos quando faleceu e Othoniel 4 anos de idade, apenas
Sozinho e com quatro filhos, João Felismino decidiu casar-se outra vez. Em fevereiro do ano seguinte, casava-se com Celsa Bezerra de Araújo Fernandes, moça da terra, de família importante, que passaria a se chamar Celsa Fernandes de Melo.
Tiveram todos as primeiras letras em casa, com o pai. Othoniel já sabia ler quando entrou para a escola do professor Jesuíno Ildefonso de Azevedo, irmão do coronel Felinto Elísio de Oliveira Azevedo, destacada figura nos meios políticos do Estado.
A convivência com o sertão se prolongou por sete longos anos; foi uma experiência pessoal vivida com intensidade e emoção: seria o elemento responsável pelas influências, lembranças e imagens que resultaram, tantos anos depois, no “Sertão de Espinho e de Flor”. Considere-se que essas impressões lhe foram gravadas no período mais sensível da vida do poeta, a fase mais propícia para ocasionarem uma forte e duradoura saudade.
“Sertão de Espinho e de Flor” é, portanto, um desfilar de evocações, de revivências, de marcantes cenas vividas na infância. A começar pela seca, por exemplo, impacto maior causado por aquela região, que desde cedo lhe marcou a sensibilidade:

“Dois, três anos de calvário,
Sertão! Teu rude fadário,
Nem no evangelho tem rol!

E a expectativa de inverno nas ansiosas previsões do sertanejo, em todos semeava a semente da esperança:

“Dezembro. Faces inquietas
de mil ingênuos profetas
farejam “sinais” - Ao sul,
relampejou... - Hoje, ao norte...
Que luta, de vida e morte,
com o Céu, essa esfinge azul !”

Por mais seco e desolado que esteja, o sertão tem seus momentos de rude beleza, como na floração persistente de suas árvores típicas:

“o pau d’arco é um rei que dorme
Com um manto de estrelas aos pés...”

E, à tristeza da árvore caída, tombada pela inclemência do clima ou pelo crime do homem, uma homenagem de sentida emoção:

“Pau d’arco roxo caído,
Morrendo, mas tão florido,
És um quadro de paixão.”

Traduzindo a dor do retirante, o poeta cantaria:

“Há poucos meses, ainda,
Na estrada do exílio, infinda
Pudera haver dor maior?”

É o quadro chocante do homem que foge, na esperança de um dia voltar, com a chuva, para a terra que é parte de seu ser.

“Ó! o drama das retiradas!
Boiadas e mais boiadas,
Num chouto exausto a mugir...”

O menino sentiu, também, as alegrias da chegada das chuvas, participando do festejar do povo. É quando o leito do rio, seco, torrado, recebe, incontida, a bruta caudal, fruto das primeiras chuvas.

“É a cheia! Lá vem o rio,
turvo assanhado, bravio,
pelos grotões, a estrondar!”

O espetáculo da cheia, a torrente impetuosa, devem ter sido cenas marcantes para a sensibilidade da criança. O que antes era seco

“hoje é barreira - a barreira,
traz chuva da cabeceira,
arrasta pau d’arco e rez.”

“Chegou abril! Quanto ninho,
pulam corgos no caminho”

É o inverno que chegou. A mesa do sertanejo também reflete a reação da terra:

“Queijo, paçoca, imbusada,
Que fartura perfumada
Sobre a toalha de xadrês.”

A feira é toda uma ingênua festa.

“Um mar de chapéus de couro...
Serras de queijos cor de ouro,
Trincheiras de garajaus.”

E as lembranças das festas de São João, as mais típicas do interior?

“Ai São Joões de minha roça!
Quanto esta alma se remoça,
Quanta saudade me traz...”

Quem seria aquela

“moça de saia encarnada
que eu vi na volta da estrada,
arisca, a olhar para mim?”

Quem sabe, um futuro amor brejeiro, uma esposa sertaneja que fosse, como se dizia por lá:

“Muié é cuma a minha,
do currá pra camarinha.”

Sertão, Jardim do Seridó... quanta lembrança teria levado o poeta, por toda a sua agitada vida, em todos o lugares por onde andou. E o cantar dos pássaros, que tantas vezes se ouvia em sua poesia, estreitava, mesmo nos dias cinzentos da velhice, os laços com uma infância feliz:

“Pintassilgo, és o violino
de um gênio, cujo destino,
é o de morrer... de cantar.”

Depois, uma mística saudação aos pássaros, àqueles mesmos aos quais falara há tanto tempo o pobre Francisco, nas verdes planuras da Úmbria distante. Aos pássaros sertanejos, que cantam e se amam festejando o inverno que chega, a saudação do poeta que foi menino no sertão:
\
“Amai, pássaros românticos!
Isto é o Cântico dos Cânticos!
Inverno é ressurreição.”

Um dia, a fatal saída do paraíso. A idade exigia escolas melhores, que só havia em Natal. O Colégio Santo Antônio, fundado em 1903 e funcionando no prédio do atual convento de Santo Antônio era a melhor opção. Primeiro, foi Francisquinho. No ano seguinte, 1906 , foi a vez de Othoniel e João.
A vida seguiu o seu caminho. O menino tornou-se rapaz, viu seus primeiros poemas nos jornais e, aos 24 anos, publicou “Gérmen”, em 1919. Eram poemas de estrutura refinada, nada contendo de elementos do sertão. O poeta era um jovem e bem sucedido funcionário do Estado. Depois, em fins de 1922, o “Jardim Tropical”, na mesma linha, levaria o poeta à popularidade, por conter a “Serenata do Pescador”, que uma melodia de Eduardo Medeiros transformaria na “Praieira”, uma das mais queridas canções do Estado.
A vida de Othoniel foi mudando conforme o tempo passava. O destino retirou-lhe as facilidades e a felicidade começou a se esvair tão rápido como antes chegara. O jovem e ardente poeta ia-se transformando em uma personalidade ressentida e ensimesmada.
A ligação afetiva com o sertão de sua infância o faria voltar muitas vezes a Jardim do Seridó, em diversos períodos de sua existência, conforme seu próprio testemunho:

“ - e, só para matar saudades! -
às serras, às soledades
do sertão que sempre amei!”

Quando teria iniciado a composição dos versos do “Sertão de Espinho e de Flor”?
As notícias mais antigas datam de 1939-1940, período em que Othoniel viveu na cidade do Assu, como funcionário do Serviço Nacional de Malária, trabalhando contra uma grave epidemia de malária que se alastrava pela região. Correspondência entre ele e sua amiga Clarice de Sá Leitão revelam o planejamento de um recital a ser realizado naquela cidade. Tencionava o poeta por à venda ingressos para entrada. Outros, de valor um pouco maior, teriam um canhoto destacável onde se lia:

“O portador deste canhoto receberá de Clarice Leitão um exemplar do livro de Othoniel Menezes, SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR.”

Outra carta para a mesma amiga, datada de Natal, 20 de abril de 1940, relata a realização de semelhante recital em Macau. Na ocasião, inaugurou-se o palco do Cine-Teatro Éden. Participaram várias pessoas do local com números de canto, dos quais não faltou a famosa “Praieira”. O poeta leu uma conferência, “entremeando-a com recitativo de versos meus (parte, também, do poema que vocês ouviram aí).”
Em 1941, o jornal “A República”, edição de 18 de dezembro, anunciava um “Recital de Othoniel Menezes”, promovido pelo Centro Esportivo Feminino e Centro Estudantal Potiguar, realizado no Teatro Carlos Gomes (depois Alberto Maranhão). O evento teve a participação da orquestra, músicos e cantores da Rádio Educadora de Natal (depois Rádio Poti). Falou o poeta Esmeraldo Siqueira e Othoniel Menezes declamou poemas do “Sertão de Espinho e de Flor”, numa homenagem à mulher seridoense. A renda foi revertida em benefício da Juventude Feminina Católica e do Natal dos pobres.
No ano seguinte, 1942, o poeta participou do programa da Rádio Educadora de Natal – Poetas da Nossa Terra – transmitido a 2 de agosto, quando declamou trechos do “Sertão de Espinho e de Flor”.
Certamente, naquele momento, o texto do “Sertão de Espinho e de Flor” já estava completo e o poeta debatia-se contra as barreiras comuns aos autores pobres que, sem contar com recursos próprios para publicação, apelavam para ouvidos – a maioria surdos – de abastados e políticos pouco sensíveis.
Esta conclusão está claramente evidenciada no editorial da revista “BANDO”, edição de fevereiro de 1950; nela se encontram indicações sobre a vida pessoal do poeta e se informa que o seu novo livro estava pronto, à espera de apoio para publicação.
“OM, o esteta do Jardim Tropical, Gérmen e de tantas outras obras de valor, nas letras norte-rio-grandenses, está, há mais de um ano, com um livro preparado para publicar. A vida de isolacionismo em que tem vivido, entre, nós, este poeta excepcional, os azares da sorte, somados ao indiferentismo criminoso que se vota, em geral, aos problemas da cultura e da inteligência, têm retardado até agora o aparecimento deste livro padrão que é, sem lisonja e sem exagero, “Sertão de Espinho e de Flor”.
Nessa altura valeria a pena perguntar: onde estão os amigos das letras, os devotos da poesia, os amigos do poeta, as forças interessadas na valorização do espírito e da inteligência? Onde estão os capitalistas, instituições culturais, os amantes da arte, os grandes construtores do progresso de nossa terra?

E lembrava que a lei n. 645, de 6 de agosto de 1900, promulgada por Alberto Maranhão, ainda estava em pleno vigor, e que a Constituição de 1946 previa a proteção à cultura. E reivindicava:
OM, pela posição que assume na vida intelectual da província, pelo teor de sensibilidade que inspiram os seus versos, pelo grande poder de observação que encerra o seu livro, por tudo quanto ali está falando de meio e do povo que habita este pedaço do Brasil, merece o apoio e o amparo de todos para realização do seu sonho e da sua obra.

Diplomado pela Faculdade de Direito do Recife em 1950, retornava a Natal o poeta, escritor e crítico literário Antônio Pinto de Medeiros. Nomeado para o posto de diretor do Departamento de Imprensa, que publicava o jornal “A Republica”, solidário e admirador do Othoniel, assumiu a empreitada da publicação do “Sertão de Espinho e de Flor”.
Em crônica publicada no “Diário de Natal”, a 2 de dezembro de 1951, comentava Danilo (Aderbal de França), que os originais do “Sertão de Espinho e de Flor” haviam sido entregues ao editor.
Graças ao empenho pessoal de Antônio Pinto de Medeiros, o livro saía das impressoras nos começos de 1952, financiado pelo Estado, conforme permitia a antiga lei n. 645.
A qualidade do papel em que foi impresso o livro tornou-se motivo de comentários e críticas de alguns. Em carta datada de 14 de novembro de 1953, Othoniel dirigia-se a Antônio Pinto:

“Apresso-me em responder a tua carta de ontem, alarmado com a generosa injustiça que alguns amigos e inimigos te estão cominando, sem dúvida ainda pouco informados a respeito da primeira edição do maltrapilho “Sertão de Espinho e de Flor”.
Sou o único culpado, o responsável direto pela qualidade do papel em que foi composto o livro. Preocupado com a péssima situação financeira do Estado, fiz questão de que fosse impressa em papel de jornal essa primeira edição; tendo mesmo, a tal propósito, escrito ao Secretário Geral [do Estado].
Aliás, ao tempo que em que assumiste a direção do Departamento de Imprensa, já o caso estava resolvido entre o autor e o Governo, que despendeu, com a publicação (Lei n. 145, de 6 de agosto de 1900), o total de treze mil e quinhentos cruzeiros, numa tiragem de mil exemplares.
Sobre a qualidade do papel jamais te formulei a mínima imputação, desde que seria disparate fazê-lo.
Sou eu, repito, o único responsável pela qualidade do papel empregado na publicação do livrinho. Apesar de tão modestamente vestido (para o filho de fiscal do sal tanto basta!), anda ele por aí, pelas livrarias, pelas almas boas e caridosas adquirido heroicamente a trinta cruzeiros o volume em benefício das obras do “Albergue Noturno”. E, mesmo tão modesto, merecendo o que mereceu, de um Mauro Mota, de um Manoel Bandeira, de um Peregrino Junior, de um Câmara Cascudo, de um Humberto Peregrino, de um Esmeraldo Siqueira, de um Manoel Rodrigues, de um Veríssimo de Melo, e de outros formidáveis sujeitos que tanto sabem deixar açúcar cândi na boca dos pais pobres...”

À época de publicação, o poeta atravessava um momento onde qualquer ajuda financeira seria bem-vinda. Decidiu, entretanto, movido pelos princípios do espiritismo que adotara como diretriz, doar a renda de sua venda a uma instituição de caridade. Aqueles que possuem um exemplar da primeira edição do seu livro, decerto ainda têm, colado à parte interna da capa, um pequeno impresso:

“Esta primeira edição de “Sertão de Espinho e de Flor” é doada à “União da Mocidade Espírita Norte-Rio-Grandense”, como concurso do Autor à construção do Albergue Noturno de Natal, parte integrante do plano de assistência social “Nosso Lar”, a ser executado pela mesma agremiação.”

Há um detalhe que escapou à maioria dos que estudam a poesia do Rio Grande do Norte: poucos se apercebem que, na literatura do Estado e brasileira em geral, não existe um texto semelhante ao “Sertão de Espinho e de Flor”. Por se tratar de um longo e exclusivo poema vinculado a um único tema – são 270 páginas integradas por 16 cânticos, e por trazer em notas de roda-pé preciosas informações sobre a rica e diferenciada cultura sertaneja, tornou-se obra exclusiva e singular, referência indispensável ao leitor mais exigente e rigoroso.

Há, no “Sertão de Espinho e de Flor”, entretanto, no âmago do Canto XV, algumas estrofes onde, ao invés de abordar o tema principal, o poeta abre o seu coração numa demonstração de mágoa e desencanto com a cidade por ele considerada como madrasta mendaz. É um momento de desabafo e manifestação do ressentimento que eclodiria, mais tarde, no seu auto-exílio no Rio de Janeiro, aonde viria a falecer, a 19 de abril de 1969.
A sua mais legítima aspiração haveria de ser o reconhecimento de sua arte pelos seus conterrâneos. Nada mais queria, naquele momento.

“A glória a que aspiro – a única –
e que há de ser minha túnica,
mais sagrada que a de um rei,
posse intangível, se planta
na alma do povo – que canta
as canções que lhe ensinei!”

O Rio Grande do Norte e a memória de Othoniel Menezes estão há muito merecendo uma segunda edição do “Sertão de Espinho e de Flor”. Que seja um livro bem impresso e fartamente ilustrado, compensando a franciscana pobreza da primeira edição. Que seja um livro bonito de ser visto, pois já emociona ao ser lido. Que seja um livro que orgulhe e enalteça, como há tanto vem fazendo, a poesia norte-rio-grandense.

Será um novo e oportuno momento, afetivo e sentimental, de serem de novo cantadas, as canções que Othoniel Menezes nos ensinou. “

[1][1] Casimiro José Marques de Abreu., poeta, nasceu em Barra de São João, RJ, em 4 de janeiro de 1839, e faleceu em Nova Friburgo, RJ, em 18 de outubro de 1860.·

[2] Sextilha, estrofe de seis (06) versos, com as rimas dispostas na fórmula citada.
[3] Filho de Júpiter e de Latona, deus solar, condutor das musas. Seu oráculo, em Delfos, era o mais famoso da Grécia.
[4] Filho de Júpiter e de Antíope, poeta e músico, construiu os muros de Tebas. Segundo a fábula, as pedras se dispunham por si próprias ao som da lira.

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